Uma questão de respeito e de caráter
Há sensivelmente uma década, havia um pequeno terreno na posse da minha família. Havia sido legado pelos meus avós paternos e estava, em partes iguais, nas mãos dos seus filhos. Ninguém tinha um interesse objetivo no aproveitamento daquele terreno e, por isso, surgiu a natural possibilidade de o vender e repartir o dinheiro obtido.
Hoje, lembro-me de duas frases proferidas na altura do negócio. Ficaram-me gravadas na memória. Houve alguém que disse “Desde que seja suficiente para eu comprar um carro...”, ao que alguém, mais velho, respondeu com o dito popular “Se queres comprar bom e barato, compra a quem herdou que nunca lhe custou”.
Lembro-me desta história a propósito da privatização da TAP. As declarações do primeiro-ministro e do seu secretário de estado são inadmissíveis. “A TAP será vendida pelo que valer”, “A TAP será privatizada a qualquer custo”, são exemplos de quem vende fácil porque vende o que herdou, porque vende o que não lhe custou. São exemplos de falta de educação e respeito (para com os seus), de falta de caráter.
Nestas questões económicas as discussões nascem, por norma, inquinadas. Nascem de falsas premissas, de axiomas impostos como leis ou inevitabilidades indiscutíveis. “A TAP está falida”, “é um caso impossível”, “é um poço de prejuízos”, etc., como se acaso não fosse responsabilidade governativa, não apenas deste governo é certo, a gestão ruinosa que foi feita na companhia e como se o setor privado fosse composto por uns iluminados capazes daquilo que o setor público não consegue. É muito triste e deprimente mas esta é a argumentação que está em cima da mesa.
Este governo, aliás, vai ficar para a história como o governo das inevitabilidades. Nada do que faz é sua opção própria. Não existem opções. Tudo é feito porque tem que ser feito. Vivemos a era política mais absurda e surreal de que há memória.
Não sei, pensando bem, se este governo ficará na história. É demasiado medíocre. Mas nós, a nossa geração, ficaremos seguramente na história como a geração mais inerte e apolítica da democracia.