Uma premonição
O primeiro erro de António Costa enquanto líder do governo não é óbvio nem tem sido apontado por aí. Aliás, nem poderia ser. Quem costuma ter o ónus de emitir análises fica-se pelo que lhe foi encomendado de véspera e, está claro, também pelo óbvio. O primeiro erro de António Costa está na estratégia ou falta dela para as presidenciais.
Costa é um adepto da inação no que ao confronto político diz respeito, isto é, deixa que os outros falem por ele e que a sua prática política fale por si. Evita o confronto direto e usa-o apenas quando a vitória parece mais que garantida, quando basta um leve sopro para derrubar o adversário. Foi assim nas internas socialistas e, em grande medida, nas legislativas. Nas eleições presidenciais que se avizinham a estratégia parece ser a mesma.
Costa deixou que as diferentes vontades dentro do seu partido se manifestassem a seu bel-prazer fazendo fé que o resultado disso mesmo pudesse ser capitalizado politicamente de uma ou de outra forma. Ora, o crasso erro reside aqui mesmo e quero dizê-lo com todas as letras em jeito de premonição: se Marcelo Rebelo de Sousa vencer as eleições presidenciais, o governo minoritário do PS tem os seus dias contados.
Marcelo apresenta-se com uma estratégia inteligente propagandeando uma ideia de si plena de moderação e de bom senso. Com isto ganha a aderência do centro político e, sobretudo por não haver nenhum contraponto minimamente sério da parte do PS, caminha para uma vitória confortável à primeira volta. A questão é que Marcelo não deixa de estar intimamente ligado ao seu partido e, assim que vencer, terá que alinhar, pelo menos em parte e ainda que não seja essa a sua vontade (o que não acredito), na estratégia delineada e fielmente seguida à direita, por muito estapafúrdia que legal e moralmente esta seja. Mais: a PaF tem nesta altura uma forte máquina de fazedores de opinião capazes de pressionar vários setores da sociedade e a generalidade dos media. Não será difícil imaginar que Marcelo possa ceder a tais pressões no momento preciso em que Costa cometer o primeiro erro no decurso da governação.
Não tendo percebido esta problemática, Costa dirige-se para a armadilha preparada pela PaF e, agora, não parece ter possibilidade de nela evitar cair. A única contraposição a tal cenário seria a apresentação de um candidato minimamente carismático que fosse capaz de assumir um discurso anti-PaF e incorporasse os valores que residem na base da formação da coligação parlamentar de esquerda. Seria necessário um discurso coerente e sólido; um discurso que fizesse a defesa evidente mas clara e resoluta dos acordos firmados para a legislatura que viabilizam o governo minoritário do PS; um discurso em clara oposição à inadmissível lengalenga da PaF; e que fosse capaz de levar a decisão a uma segunda volta. Aí, com a união de toda a esquerda, a conversa seria outra.