Uma metáfora chamada de lei de bases da saúde
Esta discussão em torno da nova lei de bases da saúde, que tem marcado a agenda política neste final de quadriénio governativo, compreende, do meu ponto de vista, uma essência que é como que representativa daquilo que foi a ação deste governo e a influência que sofreu em concreto dos seus parceiros parlamentares de esquerda. Passo a explicar.
A primeira coisa que é necessário fazer é responder à pergunta: porquê fazer uma nova lei de bases para a saúde? Qual é a motivação das partes e, especificamente, do governo para se alterar uma lei que já existe?
Ora, a resposta é muito simples para quem anda mais atento a estas coisas: o governo PS pretende uma nova lei que cristalize o papel dos privados no sistema nacional de saúde. Pretende que este seja o seu último legado ao país nesta legislatura. É claro que não o afirma de forma transparente. É claro que não diz ao que realmente vem. Pelo contrário e como habitual, acena aos seus parceiros de esquerda com medidas mais ou menos insignificantes no panorama geral, facilmente reversíveis, como por exemplo o fim de taxas moderadoras, envolve-as bem na mistura e confunde os paladares.
Bem entendido, eu sou completamente contra as taxas moderadoras — e aqui me manifesto — que apenas penalizam quem já é mais castigado pelo aparelho fiscal do país — os trabalhadores, a classe média. Todavia, considerar que tal medida justifica uma lei de bases, e que legitima outras perniciosas e, essas sim, estruturantes, como a institucionalização das parcerias público-privadas como partes integrantes do serviço nacional de saúde, será apanágio apenas de alguém de vistas muito curtas e limitadas. A esquerda devia preocupar-se em colocar na letra da lei questões como a vinculação do estado a uma prestação de cuidados globais e exaustivos no que à saúde dos seus cidadãos diz respeito, com a contratação de profissionais e a disponibilização de meios em variedade e quantidade necessárias à população que serve. Ao mesmo tempo, a lei deveria forçar o estado a acabar progressivamente com este delegar estrutural de competências na esfera privada e que, na prática, se traduz em usar uma parte relevante do orçamento do estado para sustentar os lucros e proveitos da burguesia que opera neste segmento da economia.
Esperemos que Bloco e PCP sejam capazes de discernir bem o que está em causa e que, ao contrário do que têm feito até aqui, não aprovem uma grande perda a troco de um pequeno ganho. Como disse, olhando para o caminho traçado nestes quatro anos, as perspetivas não se revelam animadoras. A história da “geringonça” é esta mesma: é uma história de cristalização de políticas nocivas e nefastas para o povo, como o código de trabalho e a política fiscal, a troco de pequenos ganhos, políticas positivas — claro! — mas insignificantes, insuficientes, circunstanciais, naquilo que é o quadro geral do país.