Um ano após a tragédia dos incêndios
Sensivelmente um ano após a tragédia dos incêndios no nosso país, governo e Presidente da República desdobraram-se em ações evocativas, inaugurações de monumentos, discursos emotivos e, claro, aquela distribuição abundante de “afetos” que parece ter vindo para ficar.
Passou um ano dos sessenta e quatro mortos de Pedrógão Grande. Ali mesmo, nas encostas negras já crescem a passo acelerado os jovens rebentos de eucalipto plantados indiscriminadamente. A espécie mais nociva para as terras, drenando-as até à última gota de água, desertificando os solos, a espécie mais inflamável que, aliás, se propaga mais rapidamente pelo fogo, espalha-se já que nem uma praga. Representantes governativos defendem a opção. Dizem que é a única espécie cuja plantação dá lucro. É esta a lógica do país: o lucro.
A pretexto do lucro, sublinhe-se que a madeira queimada foi bem vendida e deu um bom negócio; os meios aéreos, de eficácia duvidosa e não comprovada, viram os seus contratos de aluguer revistos bem como as suas margens de lucro ampliadas. Neste contexto, as medidas que o estado propôs para resolver o problema não são mais que anedóticas, como não poderiam deixar de ser.
Não existe estado, sobretudo no interior abandonado do país. Não existe estado, ponto. Aquilo que existe, a que chamamos estado, é uma estrutura mal organizada, mas altamente burocrática, dirigida para os fins mais errados e mesmo moralmente discutíveis. O estado, sejamos sérios, não serve para fazer rigorosamente nada que não seja a cobrança de multas ou coimas a quem não tem meios para as poder contestar ou delas fugir.
Mas não adianta prolongar muito mais este texto. A realidade está aí, à vista de todos. Cresce pelas encostas queimadas de Pedrógão e de modo igual por todo o país. Aqueles que estiveram por detrás dos fogos florestais, dos de 2017 e dos outros, fizeram o seu lucro e continuam por aí, de cabeça erguida, passeando-se pelas mais altas esferas sociais. O resto é conversa, abraços e beijinhos.