Sobre a desonestidade intelectual que, como um espesso nevoeiro, envolve a sociedade
Palavra de honra que não entendo esta sociedade! E que a não aceito e que a não reconheço e que a não suporto!
Um partido que teve responsabilidades governamentais repartidas nos últimos quatro anos, que inclusivamente teve a seu cargo a pasta da segurança social e do trabalho, entre outras, vem agora com pacotes de medidas para proteger os idosos e para promover o envelhecimento ativo, isto depois de, há menos de dois meses, ter apresentado também um conjunto de medidas para promover a natalidade. Refiro-me ao CDS, como é óbvio.
Não há vergonha na cara — simplesmente não há!
Em simultâneo, volvidos seis meses de governação deste governo, o CDS apresentou-se contra toda e qualquer medida de reposição salarial ou de alívio da austeridade. Para o CDS a natalidade é uma questão de humor, de incentivo motivacional, não de dinheiro. Por ventura, é como a sua visão económica: não interessa se o governo anterior quintuplicou a dívida, o que interessa é a confiança dos mercados! Do mesmo modo, não interessa o poder económico das famílias, o que interessa é a sua confiança para procriar e para parir.
Quanto aos idosos — é interessante verificar, neste ponto, que o partido dos idosos está de volta depois de lhes ter cortado as reformas — a questão é muito parecida. Neste particular, o CDS persiste em empurrar o problema social para um problema conflitual geracional, colocando o ónus da questão nos “filhos que não tratam bem os pais”. Estes, no entender do CDS, deviam ser privados de receber as heranças a que têm direito, caso o idoso fosse mal tratado em algum sentido. Esta visão da problemática é tão decadente, tão desumana, tão intelectualmente reles, que me vou abster de prosseguir na sua desconstrução, quedando-me no sublinhar do seu caráter absolutamente bizarro.
Mas o CDS é exatamente isto. É um partido que, enquanto oposição, alimenta-se dos medos e das revoltas mais primárias que afligem as populações. Não é por acaso que o CDS se diz da democracia cristã. Os seus porta-vozes fazem uso daquelas mesmas cartilhas retrógradas que os padres mais antigos usavam para assustar as populações. É a “extrema esquerda”, são “os comunistas” que “vos vão ao bolso”, quando — a realidade demonstra-o tão bem! — são eles próprios que vão ao bolso do povo para o entregar de mão beijada à banca e à burguesia em geral.
Mas a discussão particular é de todo em todo inútil. O CDS não apresentou pacotes de medidas: apresentou pacotes de fogo-de-artifício e foguetes. Se não é assim, então porque razão o seu ministro Mota Soares — o ministro que inicialmente ia de lambreta para o trabalho mas que depois passou a ir de Audi A7 — não tomou em tempo oportuno estas mesmas medidas?
Por que não?!
Para assinar protocolos e acordos à pressa no último ano de mandato com entidades privadas — incluindo os famigerados contratos de associação com os colégios, mas também todas as privatizações que se fizeram em cima do joelho — houve todo o tempo do mundo, mas pelos vistos, para a natalidade e para a velhice não sobrou tempo nenhum para se legislar.
Relativamente a esta situação de contrassenso, que é muito clara para a compreensão de todos, existe toda a cobertura dos jornais e da televisão. Nem há contraditório, nem ética profissional, nem formação especial na BBC ou noutro lado qualquer. Nem uma pergunta! Pelo contrário: Assunção Cristas passeia-se pelos meios de comunicação, concede entrevistas, faz a sua propaganda, com altivez, boa disposição e sentido de propriedade! Ela, afinal, parece que até tem quatro filhos e que cuida muito bem dos seus velhos e tudo! Fazer perguntas para quê?
Está na altura de alterarmos o dito popular: “à mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta” está perfeitamente ultrapassado. Devemos passar a dizer: “à mulher de César não é necessário que seja honesta, basta parecer honesta” — do ponto de vista intelectual, bem entendido.
É a comunicação social que temos e, inerentemente, é a democracia que temos!