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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Uma reflexão a propósito da morte de Otelo

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Os homens devem ser entendidos à luz do seu contexto histórico, cultural e social e não à luz das conceções e convenções do tempo presente. Os símbolos são importantes porque representam valores e uma sociedade sem estes anda à deriva como um barco de papel no oceano. Os símbolos não são santos nem devem ser santificados. São homens feitos de pecados e virtudes. Prova de uma sociedade madura é a capacidade, considero, em distinguir entre uma coisa e outra, de saber valorizar o que é imperioso, para si própria, que valorize e de deixar o resto para o relato importante dos historiadores. Há um largo caminho a percorrer nesse sentido. Duvido que possa ser trilhado segundo uma prática reiterada de enxovalho sem critério.

publicado às 15:15

Jornalismo: um tubo de ensaio da sociedade

Passavam uns escassos minutos das cinco horas da manhã. Liguei a televisão e, à falta de melhor para me entreter àquela hora alugada por televendas e outras coisas que tais, ativei a máquina do tempo, que é o mesmo que dizer, puxei a emissão para trás, com cuidados redobrados para não fazer nada que pudesse alterar o presente e o futuro... A viagem no tempo estacionou numa reportagem da noite anterior onde se fazia o rescaldo do primeiro dia de reuniões entre o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), o governo e a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM).

 

Não é minimamente surpreendente que nada tenha sido conseguido e que o processo não tenha sequer avançado um milímetro. Após a greve da semana passada, os patrões sentem-se com todo o poder nas mãos perante os trabalhadores e o seu sindicato, não tendo qualquer necessidade de ceder no que quer que seja. O esvaziamento do direito à greve, única arma real do proletariado face ao patronato, tem destas coisas. Os trabalhadores pedem, os patrões não dão, os trabalhadores param, o estado obriga a trabalhar e todos vivem felizes para sempre. Só que não.

 

No final desta fantochada a que se convencionou chamar de “mediação”, primeiro falou o representante dos patrões, claro, como sempre. André Matias de Almeida terá sido o último a chegar, terá estado uns bons dez minutos na reunião, não mais do que isso, nada de muito substantivo terá sido discutido, não havia tempo senão para entregar uma folha A4 impecavelmente datilografada, com logótipos e tudo, e para trocar alguns prioritários cumprimentos com os seus compinchas de governo e de partido. Terá sido o último a entrar, o primeiro a sair e o primeiro a falar. Isto é que é o mais importante, microfones em riste para o doutor André, sempre! Porque vale muito a pena os portugueses ouvirem o senhor doutor André. Só que não.

 

Em seguida, falou Pardal Henriques, do sindicato, sempre muito paciente para tentar a dificílima missão de passar a sua mensagem pela espessa parede feita de questões ideologicamente orientadas e de insistentes interrupções erigida pelos jornalistas ali presentes.

 

E, por fim, falou o representante do governo, o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, o paladino do primeiro-ministro António Costa, o político do diálogo, dos consensos, o amante do socialismo e da esquerda, uma versão melhorada e contemporânea de Guterres que até já deve ter a sua EP reservada para a edição deste ano da Festa do Avante. Só que não.

 

É curioso: ouvir falar Pedro Nuno Santos e André Matias de Almeida foi uma e a mesma coisa. Ouvir o governo e o patronato é rigorosamente o mesmo, uma repetição surreal, um pleonasmo bizarro. O problema será nosso por pensarmos que são entidades distintas. Dizem que Pedro Nuno Santos será o sucessor de António Costa, mas eu cá, com os meus botões, acho que o PS não ficaria pior servido com as exímias qualidades do doutor André, principalmente após esta missão de sucesso na representação do patronato e na repressão do povo trabalhador.

 

Nada disto, todavia, captou a minha atenção. Nada disto é novo. Nem tão pouco a habitual análise daquele fantoche de conveniência que se coloca de frente para as câmaras, em estúdio, para finalizar o processo de lavagem cerebral. A minha atenção prendeu-se noutra coisa.

 

Fugiu o olhar preguiçoso para aquele grupo de indivíduos que envolviam de interpelações os representantes, ora da ANTRAM, ora do SNMMP, ora, por último, do governo. A média de idades dos jornalistas presentes não poderia ultrapassar os trinta anos. Com efeito, não fosse cada um deles exibir um microfone numa das mãos, parecia à primeira vista um qualquer grupo de adolescentes, uns acabados de sair da puberdade e outros em plena glória dessa efémera estação da vida.

 

Para o que faz um jornalista hoje em dia, vinte e poucos anos chegam muito bem: fazer as perguntas que lhes foram colocadas num papelinho no bolso de trás das calças, repetir as conclusões que aprenderam antecipadamente antes da entrevista e, claro, trabalhar como um cão, ser pago como a um cão, com um horário de cão. É melhor apagar esta última parte que não é politicamente correta nos tempos correntes. É discurso figurativo apenas. Todos os animais devem ser bem tratados. Voltemos ao ponto em discussão.

 

Para o que um jornalista devia ser capaz de fazer, todavia, para ser capaz de, por exemplo, articular uma resposta dada com uma pergunta pertinente, que eventualmente nem estivesse previamente preparada, ser capaz de ler nas entrelinhas do que é dito pelo interlocutor e ter a curiosidade e a coragem de questionar sobre o que não é dito, para isto e para outras coisas, não chegam vinte e poucos anos, nem trinta, nem, por ventura e em muitos casos, quarenta.

 

Aquele grupo de jornalistas constitui bem mais do que uma mera amostra estatística do jornalismo em Portugal ou, se quisermos, do mundo ocidental. Aquele grupo de jornalistas é o reflexo mais límpido da sociedade em que vivemos, deste culto bacoco à juventude, ao aqui e agora em vez do conhecimento da história e do passado e das perspetivas para o futuro, ao recibo-verde e ao dinheiro rápido e fácil ao invés da estabilidade, à emoção em detrimento da razão, à ambição sem medida em vez da experiência, ao histerismo das redes sociais em lugar da cultura e da sabedoria, aos excessos das festas e festivais, e por aí fora. Podia continuar. Mas a verdade é que a juventude não é a solução para equilibrar os pratos da balança, para colocar mais peso na estabilidade, no bom senso, nos princípios, na ética e nos valores, na introspeção, na reflexão, no conhecimento ou na cultura. Para tudo isto é fundamental viver, é fundamental experiência de vida como condição necessária, não suficiente, mas impreterível para uma sociedade mais sábia, mais culta, mais estável, mais estruturada em valores e princípios comummente aceites.

 

E depois debruçamo-nos sobre os jornalistas que lá estão, rapazinhos de barba rala ou rapariguinhas carregadas de acne juvenil, e muitos já passaram pelos principais meios de comunicação, já escreveram livros sobre temáticas difíceis e delicadas, à partida, e os seus CVs são uma multiplicidade de cursos tirados em universidades privadas d'Aquém e d'Além-Mar. Resta-nos apenas considerar estar na presença de verdadeiros génios, figuras ímpares que preenchem o universo do jornalismo deste país tal como as existem também, por decalque, em cada uma das outras relevantes áreas da sociedade. Só que não.

 

Agora de tarde, assistia ao anúncio de uma nova greve convocada pelo SNMMP apenas a horas extraordinárias, fins-de-semana e feriados. Ilustrando o que acabei de escrever, a primeira questão dos jornalistas presentes foi qualquer coisa como: “(...) que serviços mínimos estão a pensar fazer?”

 

A pergunta é tão absurda que a jornalista que a fez ou não ouviu nada do que tinha acabado de ser anunciado, ou não faz a mínima ideia do que são serviços mínimos, ou, então, está mandatada superiormente para fazer aquela questão particular com o intuito de propiciar o caos desinformativo. De qualquer forma, é manifestamente representativo do paradigma dominante.

publicado às 16:26

Um prédio chamado Portugal

Nesta última semana, assistimos ao precipitar forçado de um desenlace no caso do prédio Coutinho, um caso que se prolonga há coisa de vinte anos mas do qual a maioria de nós apenas agora tomou conhecimento.

 

Corria o ano de 1972. O terreno do então mercado municipal da cidade era vendido em hasta pública a Fernando Coutinho, emigrante no Zaire, que, naqueles novecentos e setenta e cinco metros quadrados de área, edifica um prédio de imponentes treze andares que ficou conhecido pelo nome do seu construtor.

 

O edifício, erigido em pleno centro histórico da cidade, beijando uma das margens do rio Lima, levantou, logo desde o momento da sua construção, as mais variadas críticas, sendo que a primordial é absolutamente evidente: basta observar o panorama arquitetónico da cidade para identificar o desfeio estético que o gigante de treze andares provoca no casario histórico de Viana.

 

Foi, por isso, natural que, desde o primeiro momento, tenham brotado iniciativas para reverter a situação e demolir o edifício. Essas iniciativas começaram logo em 75 e estenderam-se até aos dias de hoje. A maioria dessas iniciativas foi frustrada por uma argumentação absolutamente pragmática: um país pobre como o nosso não poderia desbaratar o capital necessário quer para a demolição de um prédio de treze andares em perfeitas condições quer para indemnizar os muitos habitantes do edifício. E, assim, o conflito permaneceu em jeito de banho-maria até à viragem do século, mantido pelo pragmatismo inexorável da coisa. Na calda, todavia, medrava uma espécie de bactéria que crescia no silêncio, pela calada, à sombra quiça dos ideais puros e inocentes envolvidos.

 

No ano 2000, José Sócrates, então ministro do ambiente do governo de António Guterres, qualificava o prédio Coutinho, que já contava com um quarto de século em respeitável idade, como um “cancro e um aborto arquitetónico” e defendia abertamente a sua demolição. Reparem que José Sócrates foi o mesmo ministro do ambiente que achou bem, por exemplo, a construção do Freeport de Alcochete em plena zona de proteção especial do estuário do rio Tejo. Entretanto, Portugal ficou “de tanga” com os governos de Durão Barroso e Santana Lopes e o processo voltou a estagnar.

 

O avanço decisivo no processo de demolição do prédio Coutinho viria a dar-se em 2005 quando — adivinhem — José Sócrates ascende a primeiro-ministro. Em junho desse ano é declarada a utilidade pública do prédio Coutinho e a sua consequente expropriação com vista a construir — imagine-se! — um mercado municipal.

 

Depois de uma morosíssima batalha legal, que opôs os moradores e proprietários das frações do prédio Coutinho à câmara municipal de Viana do Castelo e ao governo, chegamos aos dias de hoje. A troco de uma verba irrisória que não lhes permite adquirir uma propriedade equivalente nem nos arredores de Viana, quanto mais no centro da cidade, os moradores estão obrigados a sair das suas propriedades, estando sujeitos às mais infames coações e intimidações, a última das quais por parte do atual ministro do ambiente que os acusa de serem os fora-da-lei em todo o processo.

 

Neste momento, sobram nove habitantes, já idosos, que resistem a sair. Desde esta semana, estão privados de água e comida, estão impedidos de consultar o seu advogado, ou de receber qualquer tipo de visita, ao mesmo tempo que o prédio começa a ser demolido com eles ainda no seu interior.

 

Reparem na justiça e na moralidade do processo. Parem um pouco, fechem os olhos e reflitam.

 

  • A câmara de Viana vendeu o terreno do seu mercado.

 

  • O construtor edificou um prédio respeitando rigorosamente a volumetria permitida pela câmara.

 

  • As pessoas adquiriram as suas habitações pagando o seu justo valor.

 

  • A câmara e o estado decidem que afinal mudaram de ideias e a coisa não está bem feita.

 

  • As pessoas são forçadas a sair e a abandonar os seus imóveis para se construir um novo mercado da cidade.

 

É ridículo. O prédio Coutinho é, na verdade, um prédio chamado Portugal apenas possível porque nós, portugueses, somos, acima de tudo, pessoas de bem e pessoas pacíficas.

publicado às 10:24

Gente sem valores, sem princípios e sem ética

As pessoas têm todo o direito de ser contra o Maduro e o Chavismo. Todo o direito. Eu próprio nunca morri de amores pelo estilo e pela forma quer de um, quer de outro. Também têm todo o direito de apoiar o golpe de estado vergonhoso que se quer impor a todo o custo naquele país soberano. Agora podiam parar é de bater no peito sempre que se fala em democracia. Podiam parar com a hipocrisia de se dizerem democratas. O que essas pessoas são é tudo menos isso.

 

Goste-se ou não, está-se a tentar depor um presidente que ainda no ano passado foi eleito com mais de 60% de votos para o substituir por alguém não legitimado por qualquer ato eleitoral. Sim, e a oposição “democrática”, em dezenas de escrutínios, ganhou apenas um. E sim, a maioria dessas eleições foi observada de perto por agências internacionais e pelas Nações Unidas e isso é muito mais do que o que se passa no nosso país ou noutros ditos “democráticos”. E não, não consta que tenha havido qualquer anomalia nesses sufrágios. Mas o conceito de democracia para o povo é mesmo assim, é plástico, é maleável ao seu próprio interesse.

 

Costumamos pensar que o futebol é um fenómeno emotivo particular dentro da sociedade, que o que vale para o futebol não vale para o resto mas, por ventura, estaremos enganados. É ao contrário. A sociedade em geral é que é um fenómeno particular dentro do futebol, mascarada de hipocrisias e coberta de véus de politicamente correto. Se o nosso clube é favorecido, se infringe as leis, se joga sujo, tudo bem. Ao contrário é o fim do mundo. O mesmo se passa com os nossos interesses. Somos seres muito mais primários do que julgamos. Somos gente sem valores, sem princípios e sem ética. A democracia só serve se servir os nossos interesses. Ponto final.

publicado às 19:00

O caráter que é construído com base em desculpas

O que considero mais relevante em todo este vergonhoso caso dos “estudantes” — vamos colocar aspas nesta palavra, a bem da correção linguística — expulsos de Espanha em viagem de finalistas e que acho importante sublinhar é a cada vez maior ausência de responsabilização quer do sentido dos próprios quer da exigência de terceiros, dos mais próximos, pelos atos cometidos.

 

A juventude de hoje em dia aprende cedo a dizer coisas como “não fui eu”, ou “foi ele” ou ainda “não sou o único a fazer isto”. Quase todos têm estas frases debaixo da língua. Com elas aprenderam a subir os degraus da vida sem assumirem uma responsabilidade que seja e com os pais a desculparem-nos e a defenderem-nos perante os outros. É todo um caráter construído assim, desculpa após desculpa, na família, na escola e na vida.

 

Há aqui um exercício de paternidade que é medíocre, mal formado, sem estrutura, sem regras e sem fronteiras. Já aflorei esta temática por mais que uma vez neste blog. Mas neste tipo de paternidade contemporânea que será motivada por um desejo bacoco de superproteção das crianças, e que se estende até à idade adulta rompendo todos os limites do ridículo, também existe uma ideia subjacente da nossa posição perante os outros, perante a comunidade. Esta ideia, que é muito própria do sistema capitalista, sugere que tudo vale para vingar, que os fins justificam os meios e que é lícita toda e qualquer ação que permita o lucro máximo seja em que contexto for. Isto implica, naturalmente, uma ausência de consciência de que nos devemos responsabilizar pelos nossos atos e, mais, se outro vier a assumir a culpa por nós, tanto melhor.

 

Este é o quadro de valores com que formatamos as gerações que se avizinham. Não é de estranhar que apareça tanta gente a desculpá-los. Os atos de vandalismo ocorreram efetivamente. Todavia, há que desculpar os meninos. Desconfio que o Hotel ainda vai ter que os indemnizar. Observemos com atenção as cenas dos próximos capítulos deste vergonhoso caso.

publicado às 21:50

Paternidade

O caminho de cada um de nós não se principia no dia em que nascemos. É anterior a esse momento. Nós somos os continuadores de algo maior que nos transcende. Não interessa se disso temos ou não consciência. É mesmo assim.

 

Muitos dos problemas das sociedades começam exatamente aqui, na falta de consciência disto mesmo que escrevo. Somos para aqui paridos, abandonados cada um à sua sorte, sem saber de onde vimos, quanto mais para onde vamos, sem termos consciência do que somos, sem ideia do que devemos ser, ambicionar ou construir.

 

Paternidade é, acima de tudo, isto que acabei de escrever: não deixar que os filhos cresçam órfãos de ideias, órfãos da sua própria história, como se fossem corpos inanimados de alma, enjeitados à sua própria sorte.

 

Dedico este texto ao meu Pai, por ser o melhor Pai que um homem pode ser.

Por me dizer:

 

“Filho, tu vens daqui.

Vês?

Percorremos este caminho que se estende nas nossas costas com as nossas dificuldades, com o nosso trabalho.

Vês?

Mas chegámos até aqui, onde estamos agora.

E os teus avós são estes. E os teus bisavós aqueles ali.

E estes aqui são os nossos valores: a solidariedade, o trabalho, a amizade, o caráter, a integridade, a honra.

É disto que nós somos feitos. É este o nosso património. Não são casas, nem contas, nem carros, nem cordões de ouro. É isto aqui — dizia ele, sentado ao meu lado, apontando para o peito —. É isto aqui.

É disto que tens que pôr em cada coisa que faças ao longo da tua vida.”

 

Amanhã é o Dia do Pai. Sem a celebração de um significado substantivo, transformador, para o conceito de paternidade, repete-se neste dia um ritual capitalista sem sentido, de consumo frívolo, de celebração de coisa nenhuma. Os filhos oferecem presentes aos pais para expressar a sua gratidão por simplesmente terem sido gerados, por terem sido postos ao mundo.

 

Não, Pai: eu agradeço-te pelo que me deste e pelo que ainda hoje me dás, pelo que é invisível mas ao mesmo tempo tão essencial porque me dá força e sentido para eu ser quem sou e o que almejo ser. Agradeço-te, Pai, por não ser hoje um indigente no campo da família, dos valores ou as ideias, por ter uma estrutura que me suporta a todo o instante, que toma parte e que é parte de mim em todas as minhas escolhas. Agradeço-te, Pai, por me teres dado uma família. E agradeço-te, também, por não ter começado do zero, por poder ser continuação, como se o meu corpo e mente transportassem o que é teu e o que é da Mãe, o que é dos avós e dos bisavós.

 

A nossa existência, Pai, não é em vão.

 

http://data.whicdn.com/images/52367366/large.jpg

 

publicado às 23:33

Uma reflexão

De que vale viver num país lindo, com paisagens de cortar a respiração, um clima maravilhoso, quando se vive enclausurado dentro da sua própria casa, quando nos escondemos atrás de muros e de vedações, quando tememos estender uma mão que seja ao nosso vizinho?

 

Para mim, não vale de muito. Todavia vejo a cena repetida vezes demais, mundo fora.

 

O Homem vive demasiadamente atormentado com os seus próprios fantasmas, o seu mundo governado pela desconfiança e pela inveja para com o próximo, desumanizado até ao limite da besta, pois nem a maioria dos animais abdica do valor da comunidade.

 

O Homem valoriza mais e mais o material em vez do espiritual, cada vez mais perdido no caminho coletivo que escolheu para trilhar, o caminho a que chamamos de capitalismo.

publicado às 17:50

O que se faz a um sociopata em Portugal?

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No dia de ontem, último dia do mês de outubro, aconteceu que a minha atenção foi captada para um post do universo de blogs do sapo intitulado 40 anos depois o 25 de Abril de 1974 falhou e assinado por Nuno Félix, com data de abril de 2014.

 

Quem acompanha o Porto de Amato percebe rapidamente que não estou de acordo com o conteúdo deste artigo de opinião. Aliás, tive já oportunidade para escrever sobre o assunto aqui. Com isto não quero dizer que discordo de tudo o que é escrito. O que quer dizer é que não considero o texto dotado de suficiente bom senso, nem considero as conclusões extraídas desse elencar parcial de factos, ou de factoides, chamemos-lhes assim, nem ajuizadas, nem lúcidas.

 

Todavia, se resolvi destacar este artigo de opinião escrito há ano e meio num blog que não sigo e com o qual não me identifico particularmente, não foi para discorrer sobre o conteúdo do mesmo. Repararam no autor do artigo? Nuno Félix... soa a alguma coisa? Exato, este é precisamente o homem do momento, aquele que conseguiu superar Miguel Relvas duplicando o número de licenciaturas falsas com as quais se pode integrar um executivo do governo de Portugal.

 

Agora, proponho a leitura mais atenta deste parágrafo do artigo que Nuno Félix escreveu há ano e meio:

 

Politicamente, o regime está falido. A democracia representativa não representa mais do que instituições fechadas à sociedade, que investem a maior parte dos seus recursos na mera manutenção e perpectuação no poder e na prosperidade dos seus protagonistas. O bem comum pode sempre esperar.

 

O que será mais importante, a influência do indivíduo sobre a sociedade ou o reverso? Será que, tão pouco tempo volvido sobre a escrita destas palavras, a sociedade portuguesa conseguiu corromper de tal maneira Nuno Félix compelindo-o a apresentar um currículo com duas licenciaturas falsas para desempenhar as funções de chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e Desporto? Ou terá sido antes o contrário?

 

Sem menosprezo por nenhuma corrente filosófica, quem escreve algo como “A democracia representativa não representa mais do que instituições fechadas à sociedade, que investem a maior parte dos seus recursos na mera manutenção e perpectuação no poder e na prosperidade dos seus protagonistas.” e, logo depois, faz uma coisa destas — apresenta não uma, mas duas licenciaturas falsas no contexto de um cargo no governo! — não poderá ser qualificado como nada menos do que um sociopata, perdoem-me a aspereza da palavra, alguém que, tendo consciência de um certo quadro de valores sociais e de respeito pelo outro, decide franca e voluntariamente pela violação dessas normas, tendo-o feito ao mais alto nível do plano nacional.

 

O caso de Nuno Félix é também simbólico. Simboliza que este governo PS consegue superar, se assim o quiser, o anterior em todas as ignomínias. A diferença é que a esquerda, particularmente o Bloco de Esquerda, sempre tão lesto — e bem! — a apontar estas e outras similares infâmias ao governo de direita, agora deixa passar o caso praticamente em claro. Neste particular, dizer simplesmente que o PSD e o CDS não têm credibilidade para apontar o dedo, sendo verdade, é de uma pobreza argumentativa assustadora e não é mais que uma forma de fugir ao assunto.

 

Dito isto, o que se faz ao sociopata? O que se faz? Obrigamo-lo ao pagamento de uma coima? Encarceramo-lo, juntamente com outros como ele, obrigando-o a cumprir pena? Sujeitamo-lo a serviço comunitário, a internamento, tratamento e reeducação social? O que se faz com o sociopata, afinal? Esta devia ser a pergunta a fazer.

 

Parece que não, parece que não é nenhuma das opções anteriores. Pelos vistos, aceita-se a sua demissão e o caso fica resolvido. Aqui, no Porto de Amato, procurarei estar atento ao seguimento da sua brilhante carreira, sendo certo, porém, que passamos a ter consciência plena de que temos alguém que está perfeitamente identificado, socialmente perigoso, à solta, no meio de nós. É muito triste verificar que os valores que fundeiam a nossa sociedade são tão sólidos como pasta de papel, daquela com a qual as crianças brincam às construções.

publicado às 11:17

Sobrestimar o povo

De vez em quando caio na real. Acontece. É importante cair na real.

 

O meu problema é sobrestimar o povo.

 

Hoje, na viagem de regresso, vinha a ouvir na Antena 2 um dos seus interessantíssimos programas. O de hoje à tarde versava a Inquisição. A Inquisição foi um movimento repressivo e reacionário da Igreja Católica que perseguiu todos aqueles que poderiam ameaçar a manutenção do seu poder sobre os estados, sobretudo os europeus. Neste sentido, perseguiu, torturou e executou, para além de membros de outras religiões, muitas das mais brilhantes mentes, homens e mulheres das ciências, das artes e da cultura, mas também defensores de um quadro de direitos e de liberdades mais avançados, humanistas e progressistas. A ação da Inquisição perdurou durante toda a Idade Média, atravessou o Renascimento e cada outro período até meados do século XIX. Disse bem, século XIX.

 

No programa de rádio, o locutor dizia que apenas uma pequena parte das denúncias populares conduziram a processos inquisitórios. Com efeito, o povo constituiu-se sempre como o principal aliado da barbárie, denunciando vizinhos e amigos, com ou sem justificação, e rejubilando com as queimadas públicas. Fazendo fast forward no tempo, vamos encontrar semelhante comportamento nos bufos da PIDE, no fascismo português. Não era preciso muito para alguém denunciar um companheiro por uma conversa de café. Não era o fascismo, nem era a PIDE. Era o povo que o fazia de bom grado.

 

O meu problema, repito, é sobrestimar o povo. Distraio-me muitas vezes e acredito que o povo pode ser capaz de muito mais do que aquilo que realmente pode. A Inquisição foi há menos de duzentos anos. O fascismo nem cinquenta anos de distância tem. Esperamos demais deste povo. Duzentos anos, cinquenta anos, não são nada em termos históricos. E o problema é que no interior do povo ainda estão bem vivas as mesmas motivações, o mesmo tipo de justificações coletivas, que conduziram às experiências reacionárias do passado.

publicado às 19:45

Se o abstrato fosse concreto: um exercício ficcional

Se este governo fosse uma pessoa, se tivesse braços e pernas e uma cara que pudéssemos ver, olhar nos olhos a cada atitude sua, seria seguramente alguém a quem me recusaria cumprimentar.

 

Seria uma pessoa mesquinha, sem vestígio algum de caráter, de espinha dorsal, alguém sem respeito ou consideração por quem quer que fosse com a exceção dos seus patrões, como fiel lacaio que seria. Forte com os mais fracos e fraco com os mais fortes. Sem respeito inclusivamente pela lei procurando forçar a sua vontade contra tribunais constitucionais ou meramente civis, recurso após recurso, chumbo após chumbo, advertência após advertência. Como que se julgando superior aos demais.

 

Seria uma pessoa que me revoltaria as entranhas a cada encontro ocasional. Com aquele ar petulante com que se apresenta após cada malfeitoria, aquele esgar hipócrita de quem procura fingir ser extremamente sério. Seria uma pessoa de escassa cultura, sem saber estar, sem saber viver, de boçais modos, de sorriso mentiroso.

 

E seria mais: seria o típico vizinho invejoso, ativo no seu desejo de rebaixar os seus pares ao seu próprio nível, ao invés de procurar, com eles, crescer também. Se os governos fossem pessoas, se os países fossem pessoas, como Portugal, como a Espanha, como a Grécia... que triste cena seria esta... Como poderiam certos governos, como pessoas que seriam, olhar-se ao espelho a cada manhã depois do que tentaram fazer nas costas dos outros em seu prejuízo?

 

Mas este governo não é uma pessoa. É uma entidade abstrata sem braços ou pernas, sem cara ou olhos. Quanto muito, são muitos milhares de pessoas. Ou essas pessoas, em geral, admitem que uma entidade abstrata faça aquilo que, por outro lado, consideram moralmente reprovável a um indivíduo de facto, ou então sou eu que não faço parte, que não me enquadro. São os meus valores que estão ultrapassados.

publicado às 11:50

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