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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

As sereias da "ação climática" e da "descarbonização"

Nesta versão 2.0 do governo PS há um pormenor que me tem preocupado severamente. O ministro do ambiente Matos Fernandes regressou do anterior executivo para este novo figurino com um acrescento ao seu epíteto. Agora, é ministro não apenas do ambiente, mas também da ação climática. Observem que coisa tão moderna e tão na moda! Só lhe falta a menina Greta como conselheira permanente. Tal acrescento tem sido acompanhado de uma abundante retórica sobre a “descarbonização” da nossa economia. Vejam bem que até o meu corretor ortográfico desconhece o palavrão. Repitam lá a palavra, “descarbonização”, seja lá o que isso for.

 

Esta temática preocupa-me porque aparenta ter pouco ou nada de substantivo e muito de propaganda com um fim bem definido: fazer sucumbir o país ao lobby do “elétrico” e dar carta branca à destruição de Montalegre para a exploração do lítio sem ninguém dar muito por isso.

 

Consta que o golpe de estado na Bolívia terá sido perpetrado, não por causa do gás natural, como inicialmente suspeitava, mas por causa, precisamente, do lítio. Não será por acaso, não sejamos inocentes, que as ações da Tesla, aquela empresa dos caríssimos carros elétricos futuristas, subiram em flecha após a deposição de Evo Morales.

 

Em Portugal, claro, não são necessários golpes de estado. As nossas lideranças, democraticamente eleitas pelo nosso povo, estão sempre na linha da frente no que diz respeito ao desbaratar dos nossos recursos em favor das grandes multinacionais burguesas. E neste caso do lítio acontecerá exatamente isso, far-se-á uma concessão a privados, com caderno de encargos escrito a preceito, para no fim ficarmos sem recursos, sem as nossas aldeias, vilas e cidades, e sem o dinheiro.

 

Importa repetir todas as vezes que forem necessárias em todas as oportunidades que se apresentem: em termos de eficácia, o “elétrico” não substitui os combustíveis fósseis, nem com todo o lítio do mundo, nem num milhão de anos. E com que energia iremos alimentar todos esses motores elétricos? Com que energia? De onde? Das barragens? Das eólicas? E conseguem afirmá-lo com certezas absolutas? Acresce que, ao comprarmos o “elétrico”, estamos a substituir um problema por outro, no que à questão ambiental diz respeito. Nós, que temos dificuldade em tratar duma simples pilha de volt e meio, já para não falar de uma bateria de um simples telemóvel, vamos ter de tratar, da noite para o dia, uma quantidade enorme de baterias elétricas de automóveis com vidas úteis de menos de dez anos. Tragédia ambiental em perspetiva? Lençóis freáticos, rios e mares permanentemente contaminados e poluídos? Água potável em risco? Será esse o nosso auspicioso futuro dos carros ultra modernos?

 

A situação é insana. Esta ânsia dos nossos governos em agradar ao capital monopolista está a redundar em demência profunda, porque é uma política de terra queimada, de quem vier a seguir que feche a porta, uma política que condena as gerações futuras e as amarra a opções trágicas. Mas, em simultâneo, esta situação gravíssima é-nos vendida com os cantos de sereia, das sereias da “descabornização” e da “ação climática”. E nós acreditamos. Achamos bem. Soa-nos bem, a moderno. Lava-nos a consciência, até. Parece que somos incapazes de pensar. Esta geração, a anterior e todas as que confluem no presente, no hoje, no agora, parecem todas vítimas de lavagem cerebral. Não olham, não veem, não pensam, não questionam. Tudo aceitam.

 

Tal como no passado com Ulisses, teria sido prudente amarrar o capitão do navio à carlinga e tapar os ouvidos de cada um dos seus marinheiros com a cera do mel para que nada pudessem ouvir, para que não pudessem ouvir as sereias tentadoras. Desgraçadamente, nestes tempos sem fé não há bom senso que impere, não há deusa Circe que nos valha, nem outra divindade qualquer.

publicado às 17:45

Ver a História recontada diante de nós

A morte de Mário Soares e os ecos que dela resultaram fizeram-me voltar a este tema. Não existe um líder corrupto sem um povo corrupto que o sustente. Não existe isso de povo bom e líder mau. Tudo isso é uma treta. Pelo contrário, se observarmos com atenção, vemos em cada líder de cada país, de cada nação, por maior ou menor que seja, e até mesmo, de cada empresa, de cada pequena associatividade, de cada ajuntamento, as características de quem representam plasmadas, bem vincadas, em cada traço da sua personalidade.

 

Mário Soares, por ora, está a ser pintado em todos os meios de comunicação com cores que nunca teve em vida. Nos jornais, esculpem-no como o herói que ele nunca foi. Dizem que foi o campeão da liberdade e da revolução.

 

É nestes momentos que vêm à superfície esta espécie de anais não oficiais da História, que contam os eventos passados apressadamente e de modo conveniente para a lição de moral que se quer impingir à força sobre quem ouve. Sendo certo que estes anais vão sendo escritos todos os dias pela mesma imprensa lacaia da burguesia reinante, é nestas alturas que as suas conclusões axiomáticas e as suas interpretações dogmáticas aparecem com mais clareza, com mais força.

 

Neste particular, salienta-se a sombria data de vinte e cinco de novembro em que Soares terá sido fundamental para derrotar os comunistas que queriam implementar a ditadura. Não há nenhuma evidência disto. Pelo contrário, as evidências apontam noutros sentidos: apontam para a extrema direita reacionária e apontam para grupos extremistas de esquerda, não comunistas, sedentos de mediatismo. Claro que seguir o trilho das evidências implicaria apontar o dedo a uma grande parte dos políticos, jornalistas, comentadores e articulistas que hoje em dia ainda preenchem o espaço mediático e político público mas que, na altura, eram membros em plena ascensão ou da extrema esquerda anticomunista ou da direita reacionária. Por isso, não interessa seguir por este caminho. O Partido Comunista Português, como aliás hoje mesmo se comprova com a sua ação parlamentar, é um partido ao serviço da República pluripartidária. Outros partidos comunistas, noutros países, seguiram por outros caminhos, mas quem quer que acuse o PCP do contrário do que escrevo é simplesmente intelectualmente desonesto ou menor.

 

Que se sublinhe o facto de que, enquanto os membros do PCP assumiam uma vida árdua e perigosa de clandestinidade na luta contra o fascismo, Mário Soares passeava-se pelas boulevards parisienses. Foi isso que fez durante a maior parte da ditadura com exceção de um entra e sai fugidio da prisão, hoje extraordinariamente empolado pelos media, não obstante a sua irrelevância. Não é isto de somenos: enquanto que os comunistas eram encarcerados, torturados e mortos, Soares foi rapidamente libertado. Soares não era um perigo para a ditadura. Nunca foi, nem poderia ser.

 

Quando se dá a revolução e, quando tudo parece seguro, Soares regressa dos seus hotéis franceses. Naquela altura, volta dizendo-se socialista, volta e agarra-se a Álvaro Cunhal, abraça-o chamando-o de irmão. Soares, qual Judas Iscariotes, tendo ganho suficiente notoriedade às custas do PCP e de Álvaro Cunhal, vem a rasgar o socialismo e a atraiçoar a revolução tão depressa quanto pôde. Foi pelas mãos dele, e não por outras, que se reverteram as nacionalizações e importantes reformas como a Reforma Agrária. Foi ele que chamou por todos os burgueses exilados de volta, cada um dos que, durante décadas, governaram Portugal ao lado de Salazar e roubaram o povo. Foi ele que assinou cada compensação milionária. Foi ele que conduziu o país à bancarrota e foi ele que liderou o processo de submissão do nosso país ao diretório de potências europeu a que se convenciona hoje chamar de União Europeia.

 

Para efeitos de alguma exaustividade, convém elencar. Mário Soares foi um incompetente em todos os cargos que desempenhou. Apenas não foi um incapaz na busca e na conquista do poder.

 

Como político abstenho-me de o qualificar. Soares fica muito justamente para a História como “aquele que colocou o socialismo na gaveta” e creio que isto basta para o descrever no que aos princípios e ao seu caráter diz respeito.

 

Como Primeiro-ministro, depauperou o país sem nunca ter tido um vislumbre de rumo político e de desenvolvimento sustentado. As políticas que desenvolveu suportaram-se num descontrolado endividamento externo ao mesmo tempo que devolvia os poderes precisamente à mesma classe burguesa que suportou o fascismo. Por duas vezes, 1977 e 1983, conduziu, enquanto Primeiro-ministro, o nosso país à bancarrota.

 

Enquanto Presidente da República, Soares não foi anedota de menor montra. Cada vez mais rude no trato e prepotente nas suas ações, fica para a memória as suas presidências abertas que eram autênticas férias em destinos vários, sem absolutamente nenhuma relevância política para o país. As paradisíacas ilhas Seychelles foram o seu destino mais comum. Enquanto que em Espanha, se criticou o Rei por ir caçar elefantes para África, por aqui sempre se achou um piadão a Soares nas Seychelles, às vezes a apanhar sol, às vezes a passear em cima de uma tartaruga gigante.

 

https://thumbs.web.sapo.io/?p=http%3A%2F%2Fsm2.imgs.sapo.pt%2Fmb%2FQ%2F9%2FT%2FwyJmv2DwTjpkEL%2CEw22aq1CU_.jpg&W=625&H=468&Q=100

 

Mas esta natural apetência de Soares para depauperar o estado manteve-se até ao final da sua vida. Para além das dezenas de reformas que acumulou dos vários cargos que foi desempenhando, falta ainda uma honrosa menção à Fundação Soares! Não se sabe muito bem o que se faz naquela fundação, mas sabe-se que é, do universo de todas as fundações que existem no nosso pobre país, uma das que mais dotações estatais tem.

 

Mas no nosso país prefere-se dourar a pílula, endeusar um homem que de divino ou de santo muito pouco teve. Volto ao princípio deste texto: o povo tem as lideranças que merece e estas refletem bem as características, defeitos ou virtudes, dele próprio. Como criticar o homem pelas faltas que cada um de nós também tem? Como colocar o corrupto na prisão quando nós próprios procuramos fugir aos impostos? Como atirar a primeira pedra? Vale mais que se finja que o Homem foi o herói que nunca foi. Vale mais. Vale mais a ilusão.

 

Pergunto-me: será que a história contada por Homero na Odisseia é também uma invenção? Terá sido Ulisses um verdadeiro herói?! Ver a história ser recontada diante de nós, reescrita desta forma tão explicitamente pornográfica à minha frente, faz-me desconfiar de todos heróis, de todos os contos, de todas as histórias jamais escritas.

publicado às 21:07

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