Confesso que nunca consegui incorporar no meu entendimento o alcance das comissões parlamentares de inquérito. É verdade que, através delas, é sempre possível ficar a perceber melhor os assuntos em discussão e, mais importante, elas mostram-nos o posicionamento das diversas forças políticas perante os problemas. Mas isto é pouco, parece-me, resulta redundante, porque quem precisa de assistir a uma comissão de inquérito para saber com que linhas se cose a vida política portuguesa, dentro e fora do parlamento, vive com certeza demasiadamente alheado da mesma e, muito provavelmente, não vai despender a sua preciosa atenção também a acompanhar mais uma comissão de inquérito.
Mas antes de mais nada, o parlamento é um órgão político de elevada importância no desenho da nossa sociedade, demasiado relevante para se prestar a estes papéis de enxovalho e desrespeito por quem se julga mais poderoso que os demais neste retângulo encaixado ao pé do Atlântico. Porque é disto mesmo que se trata. Enquanto português, sinto-me envergonhado. Ontem, foi a vez de Manuel Pinho, enterrado até aos cabelos em relações impróprias, promíscuas, sujas, enquanto governante, com a banca e a alta burguesia do país, vir ao parlamento, a uma comissão de inquérito, cuspir graçolas e desrespeitar deputados. O que acontecerá a Manuel Pinho? Nada. O parlamento português, órgão legislativo da República, é achincalhado e ridicularizado dentro das suas paredes por um serventuariozinho da burguesia e o que acontece? Nada.
Isto é dramaticamente revelador.
Vejam bem: o que a maioria de nós considera ser a sociedade correta, democrática e moderna. Vejam até onde as nossas escolhas democráticas nos trouxeram: este capitalismo sórdido, este poder político submisso à classe burguesa e ao serviço dos seus interesses. Vejam: esta burguesia que tão pouco tem o decoro em ir ao parlamento, a casa da República e da democracia, e inibir-se de zombar dos representantes políticos do país. Vejam bem ao que nós chegámos!
Retiro o que disse: estas comissões parlamentares de inquérito são excelentes!
A questão que veio cair como fétida nódoa na imaculada reputação política de Fernando Medina é de um assinalável interesse.
Desde logo, porque a alvura da reputação política de Medina a que me referia na oração anterior tem tanto de falso, quanto de artificial, pois não é fruto de nenhuma particular evidência mas, pelo contrário, de empenhado labor de há muitos anos a esta parte dos media nacionais. Casos como este são, aliás, assaz frequentes. De entre a panóplia de malfeitorias que lhes são características, os media adoram o tricotar miudinho de santos políticos de pau oco, falsos ídolos impolutos, ao mesmo tempo que ocultam habilmente os respetivos rabos de palha que só se vêm a revelar muito mais tarde numa mistura de incredibilidade, de espanto e de histeria.
Mas o que é mais interessante não é a questão em si, isto é e fazendo fé nas notícias que têm vindo a público, a maravilhosa habilidade de Medina para a venda e compra de imóveis com margens de lucro absurdas ao mesmo tempo que adjudica diretamente obras na autarquia de milhões de euros à mesma parte envolvida nos negócios. Não, o que é mais interessante não é esta maravilhosa coincidência que só acontece aos eleitos para governar no meio dos homens. Antes, é a faculdade que o caso nos confere para identificar serventuários do sistema, jagunços da panela de que Medina é a face, agora e por ora, visível. Isto, sim, é deveras interessante.
E são tantos, são tantos..., nas televisões e nos jornais, por toda a parte, de tantos e diferentes quadrantes da sociedade lisboeta. Não é por acaso que Medina leva uma tão abundante vantagem nas intenções de voto. Quem defende o indefensável seguramente terá algum interesse concreto na sua eleição.
O processo de metamorfose que conduziu a primordial RTP N, “N” de notícias, à atual RTP 3, passando também pela RTP Informação, uma espécie de estádio de girino, antecâmara para a sua forma final, não consistiu numa mera operação de cosmética no visual do meio de comunicação em causa. Foi mais do que isso: foi uma transformação de conteúdo.
Com efeito, para a composição dos quadros de “jornalistas” e “editores”, assim como para os painéis de “comentadores”, foi elaborada uma rigorosa e criteriosa escolha de personalidades. Repare-se quão ténue é hoje a diferença entre as designações jornalista, editor e comentador. A nomenclatura é usada aqui, portanto, com função de mera decoração linguística. A escolha, dizia eu, por obedecer a tão rigorosos critérios, resultou num grupo de personalidades que constitui hoje, atrevo-me a escrever, possivelmente não o mais reacionário canal de informação televisiva, mas seguramente o mais descarado, o mais desbocado e o mais petulante. Isto mesmo havia sublinhado neste blog, em jeito de nota de rodapé, aquando do início da carburação da dita máquina retrógrada.
Mas como qualquer “equipa vencedora”, o “plantel” da RTP 3 não é apenas constituído por caras novas e contratações sonantes, leia-se gente a quem o Capital decidiu premiar e estender a sua caridosa mão por tão devotamente saberem defendê-lo. Alguns dos que compõem a espinha dorsal do “onze titular” da estação já pontificavam naquela casa e, como toda a gente sabe, são sempre os “homens da casa” os que controlam o “balneário” e sabem unir a equipa.
É o caso de José Rodrigues dos Santos ao qual foi dada renovada liberdade no seio desta nova equipa para poder explanar o seu jogo a seu bel-prazer. Muitas pessoas têm ficado escandalizadas com o inexato gráfico que o senhor “jornalista” apresentou para explicar a evolução da dívida portuguesa e essa mesma revolta têm exprimido nas redes sociais.
Este é simplesmente o episódio último da máquina retrógrada que é a RTP 3 ou, digamos, a por ora última jogada ou última finta, do “jornalista” em causa, e é verdade: o gráfico constitui efetivamente uma grosseira manipulação matemática na apresentação dos dados que supostamente o sustentam através de um processo de adulteração das escalas de ambos os eixos do gráfico. Este facto, facilmente comprovável, teve como objetivo hiperbolizar as conclusões que se pretendiam retirar e passar aos espectadores. Por outras palavras: o objetivo era condicionar e enganar o público.
Houvesse lei e justiça e este “jornalista” responderia e pagaria pelo que fez. Houvesse decência e ética profissional e o mesmo estaria já demitido das suas funções. Mas tudo isto é efetivamente natural, nem tão pouco o “jornalista” faria o que fez sem ter, nas suas costas, um “treinador” que dá a tática e o suporta.
publicado às 16:46
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