A importância das opções individuais
As opções que tomamos em cada dia, em cada momento, são importantes. É claro que vivemos mergulhados num contexto social que nos pressiona num certo sentido, que favorece determinadas ações, que condiciona fortemente o rumo que, a cada passo, tomamos. Mas é sobretudo por isso mesmo que as nossas opções individuais assumem uma relevância determinante na fertilidade da nossa vida, isto é, daquilo que podemos e conseguimos gerar ao longo da nossa breve existência.
Num destes dias, conversava com uma mulher, uma amiga de uma conhecida. O assunto era a filha, uma jovem adolescente que, segundo o relato, desenvolveu um forte desinteresse pela escola: falta frequentemente às aulas, falha em todos os testes e arrisca-se a perder o ano. No resto, parece ser bastante avançada: proficiente no uso das redes sociais, as virtuais e as reais, sai à noite todos os dias da semana, se lhe apetecer, disfarçando habilmente a maioridade que ainda não tem, bebe, fuma e, com destreza, faz tudo o que um adulto responsável pode fazer. Nestes domínios, a mãe não tem com que se preocupar. A responsabilidade da filha só não se estende à escola.
Estou certo que este quadro apresentado configura-se semelhante a muitos outros casos do conhecimento do meu estimado leitor. Asseguro que qualquer semelhança não é pura coincidência. Malogradamente, são muitos os adolescentes que partilham este perfil, sabemo-lo bem. Não podemos afirmar que as consequências deste tipo de comportamento são bem definidas e definitivas. Não. Mas podemos inferir sobre um padrão previsível de comportamentos esperados dos adultos que estes adolescentes serão no prazo de dois, três ou quatro anos.
Não é possível elencar organizadamente cada um dos aspetos relevantes a ter em conta, visto estarem todos interligados. Começaria por referir a cultura do ócio, do ócio no sentido mais contemporâneo e negativo do termo, como elemento estruturante do caráter destes jovens, de mãos dadas com um egocentrismo que é genético, que foi codificado desde a nascença por estes pais do último meio século. A procura pelo prazer, o exercício apenas e somente das atividades geradoras do prazer individual, passou a ser não apenas expectável como natural. Longe terão ficado aqueles ditados, estruturantes do Homem de tempos passados, como “O trabalho é formador do caráter”. Mas qual trabalho? Afinal, hoje em dia o lema de cada um é aquele fútil e masturbatório “ser feliz” e o que dá trabalho não traz felicidade, toda a gente sabe disto! Um milénio, quase, de cristianismo na Europa não terá sido suficiente para incutir aquele ensinamento básico: a felicidade está mais nos outros do que em ti, a felicidade está mais em fazer os outros felizes do que na auto-satisfação.
Ao conversar com a mulher, a mãe da adolescente, que me dizia não saber mais o que fazer relativamente à filha — esta é uma frase típica dos pais destes adolescentes —, vim a descobrir que se tratava de um alto quadro da nossa sociedade, extremamente bem sucedida do ponto de vista profissional e económico. Boquiaberto de espanto, não pude conter dentro de mim as palavras que disse, desprovidas, reconheço, de algum vestígio de tato ou sensibilidade: “Pois devia pensar em trabalhar menos tempo e dedicar-se mais à filha que tem...”
Como escrevia no princípio, é evidente que o contexto em que vivemos influencia as nossas opções de vida e esta sociedade capitalista nos empurra no sentido de sermos os mais bem sucedidos, de acumularmos mais e mais, ainda que sem grande bom senso ou sentido. No fim de contas, todavia, há uma opção essencial que é nossa apenas e que apenas nós tomamos. Aquela mãe prefere dedicar a sua vida a um trabalho, negligenciando a formação intelectual e de caráter da sua filha. É uma opção. Aquela mãe prefere, ainda que inconscientemente, legar à sua filha uma gorda conta bancária, em vez de uma formação intelectual e cultural rica. Por outro lado, aquela mãe também é vítima da sua própria filosofia, vivendo a sua vida em função dos seus interesses, das suas ambições, do seu próprio ego e prazer e relegando, desse modo, o futuro da sua filha para segundo plano, inclusivamente delegando frequentemente a sua função de mãe a terceiros — escola, professores, amigos, etc.
Não há aqui uma relação de causalidade. Não há tragédias anunciadas ou definitivas. Aquela filha não vai ser nem isto, nem aquilo. Será aquilo que o seu potencial natural se manifestar devido e apesar dos pais que tem. Quem afirma o contrário não é intelectualmente sério ou honesto. Desenganem-se todos os behavioristas e todos os pais que julgam os seus filhos como os seus projetos pessoais. O que há é o reconhecimento de que nós somos mais do que o contexto que nos envolve. Nós somos também e sobretudo o conjunto das opções que tomamos. São elas que, ultimamente, falam pela vida que vivemos.