O tema quente por estes dias é a segurança social ou, para ser mais preciso, a sua sustentabilidade.
São-nos apresentadas algumas projeções e, todas elas, apontam para a falência do sistema. Perante tal cenário, surge a pseudo-profilaxia do costume: aumento dos descontos por parte dos trabalhadores, aumento da idade de reforma, diminuição das pensões a serem auferidas. Adicionalmente, começa a ganhar eco, nesta intelectualmente oca sociedade, os conceitos de “plafonamento”, o estabelecimento de um teto máximo para as pensões e a mutualização do sistema com fundos de investimento.
Comecemos pelo princípio: comecemos pelos cenários traçados.
É lamentável que a discussão pública seja tão frequentemente inquinada, logo na fonte, como o é na segurança social. Com efeito, nem me dou ao trabalho de pôr em causa a validade das projeções avançadas. Dou de barato, embora não o devesse fazer, a correção com que foram feitas. O problema é que são projeções que, essencialmente, tomam todos os dados sociais e económicos como estáticos e, em certa medida, axiomáticos, não os questionando, não os procurando manipular politicamente.
Dou um exemplo. Em nenhum momento, nenhum!, ouvi os autores destes estudos colocar em causa os rios de dinheiro provenientes da segurança social que se vão alojar nos bolsos dos grandes grupos económicos, nomeadamente sob a forma de estágios profissionais e afins. Isto não é questionado. Isto não é questionável. Contudo, trata-se de uma relevante fonte de desfalque do sistema. Porque é que não se questiona? Seriam os cenários traçados os mesmos se se equacionasse mexer nesta variável?
Mais: seriam os cenários igualmente catastrofistas se se tomassem medidas de efetivo impulso ao emprego estável e não precário? Porque o problema não é a natalidade em si própria. Existem, com efeito, muitos outros países europeus muito mais afetados pela natalidade do que o nosso e, contudo, com sistemas de providência estáveis. O problema é que os filhos estão, hoje em dia, a auferir metade do salário dos seus pais, tornando, de facto, a sustentabilidade do sistema improvável.
Toda esta discussão assume contornos de surrealidade quando este mesmo governo encetou políticas que incentivaram milhares de jovens a emigrar nos últimos anos. Falar em preocupações com a natalidade chega a ser insultuoso. É, por isso, vital que se inicie um plano sério de criação de emprego que tenha a virtude de chamar os nossos emigrantes de volta a casa e, também, de captar imigração qualificada.
Ninguém fala na praga dos recibos verdes que, por si só, condicionam e limitam o financiamento da segurança social. Lembro que, para as empresas que criminosamente empregam falsos recibos verdes nos seus quadros já não existe taxa social única, o que significa zero de contribuições. A validade deste modelo solidário não existe sem... solidariedade entre as partes.
Como seriam essas mesmas projeções se considerássemos o que foi dito acima? E se ponderássemos o aumento da taxa social única para as empresas, mais baixa em Portugal do que a média europeia? E se criássemos uma taxa extra para as empresas mais lucrativas do país, geradoras de lucros massivos?
No final de contas, o que parece existir é uma compenetrada ação de dinamitação do sistema, disfarçada de correções sucessivas. Estas correções sucessivas vão fazer com que o sistema imploda, pois ninguém quererá descontar tanto, cada vez mais, por cada vez mais tempo, para auferir uma pensão cada vez menor. Chegará o dia em que a discussão da continuidade do sistema se colocará e nesse dia, infelizmente, a maioria do povo estará sensibilizada para acabar com ele.
Podia até escrever mais, mas não me apetece. Cansa-me desconstruir a argumentação dos manhosos e dos néscios.