“We are in the zone where normal things don't happen very often”
Possuo uma mente ávida de conspiração. É um facto. E é muito fácil para mim identificar estratégias conspirativas no seio das mais banais cenas quotidianas. É bom que o afirme desde já.
Todavia, os acontecimentos recentes que ocorreram tão perto do coração da França arrebataram-me a imaginação. Não consigo conceber a coisa do ponto de vista lógico. Simplesmente não consigo.
Recentemente passeei pela Avenida dos Campos Elísios, Notre Dame, Montparnasse e senti, na pele, as rusgas impiedosas pelas camionetas que faziam o acesso à cidade. Sublinho a adjetivação. Impiedosas. Militares armados até aos dentes e de má cara, como é seu apanágio, revistaram todas as malas e passaram a pente fino todas as identificações. Lembro-me de murmurar: “qual união europeia, qual espaço schengen, qual quê...”.
E passadas umas escassas semanas acontece isto...
É difícil de acreditar que uma operação destas possa ser montada por debaixo dos narizes daqueles que têm o poder de saber a que horas cada um de nós se levanta, quando vamos ao quarto de banho, o que tomamos ao pequeno almoço, as compras que fazemos, o que pesquisamos na internet, etc, fruto da rede de satélites que passam o dia a orbitar em torno das nossas cabeças e do controlo absoluto dos meios de comunicação. É difícil de acreditar que uma operação de tamanha envergadura, que envolve armas e armas de grande porte, combinações e planeamento apurado, possa passar despercebida e surpreender as nossas sociedades que, desde o onze de setembro, tanto desconsideram a privacidade dos seus cidadãos em favor de um suposto combate ao terrorismo.
Mas ainda que dê de barato que, por improvável que seja, a coisa possa acontecer e surpreender o mundo em plena luz do dia, como aliás aconteceu, ainda que possa acreditar nisso, o mesmo não poderei fazer relativamente às cenas subsequentes: em plena luz do dia e à vista de todos, os criminosos fugiram às autoridades que, de momento, lhes perderam o rasto. É simplesmente inconcebível.
Parece que entrámos numa twilight zone repleta de situações surreais que não fazem sentido algum.
Não obstante, tudo isto me parece muito perigoso. A extrema direita francesa está a um pequeno passo do poder e toda esta situação encaixa na perfeição numa linha de argumentação xenófoba e intolerante, fornecendo ilustração conveniente. Esperemos que tudo isto não sirva de empurrão decisivo e oportuno para um retrocesso generalizado nos valores da igualdade e da solidariedade entre os povos do mundo.
Termino com uma nota breve. Como fica demonstrado ao longo dos eventos que marcam este novo milénio, a segurança das sociedades não se faz com um excesso de forças de segurança, nem com ações repressivas das liberdades individuais. A segurança é uma consequência mais complexa de uma sociedade saudável, formada por cidadãos com emprego e qualidade de vida. Pensar que se resolvem os problemas despejando militares munidos de metralhadoras nas sociedades, revistando aleatoriamente os seus cidadãos, é armar um espetáculo que não resolve coisa nenhuma, a não ser limitar a liberdade da esmagadora maioria de cidadãos cumpridores. Nestes momentos, é importante que se pense no tipo de sociedade que estamos a construir, das sementes que estamos a plantar e, mais do que nunca, não sucumbir ao medo.