Corria o ano de 1986 e, volvida a primeira volta das terceiras eleições presidenciais portuguesas após o vinte e cinco de abril de 1974, Diogo Freitas do Amaral e Mário Soares apresentaram-se para disputar uma segunda volta. É curioso notar as semelhanças entre essas eleições e as eleições francesas deste ano.
Na altura, doze anos depois da revolução, o CDS era um partido que metia medo. Hoje não é assim, hoje o CDS não passa de um gabinete de advogados promíscuos com o poder. Mas em 1986, o fascismo sobrevivia em democracia através desse partido, os fascistas tinham encontrado no CDS o seu abrigo primordial e Freitas do Amaral corporizava num temor as memórias do antigo regime. Quando aquela segunda volta das eleições aconteceu todas as pessoas minimamente progressistas e todas aquelas que não queriam o fascismo de volta não tiveram dúvidas em cerrar fileiras em torno de Soares e de lhe dar a vitória, o que veio a suceder. Estava em causa a democracia. Estava em causa a liberdade.
Se já na altura, depois das governações imediatamente anteriores de Soares, que trataram de destruir qualquer vestígio de socialismo do país, já o era evidente, a história tratou de mostrar o quão enganados estávamos. Soares foi um péssimo presidente quase tanto quanto o Primeiro-ministro que tinha sido. Da sua ação não frutificaram quaisquer evidências de progresso, pelo contrário: abriu Portugal ao regresso da burguesia salazarenta, retomando uma espécie de capitalismo de estado no país, alicerçou-o a uma corrupção endémica, enraizada, e lançou Portugal numa eterna vassalagem pela dívida — que tanto discutimos hoje — perante a banca e as potências europeias, simbolizadas pela entrada serventual de Portugal na União Europeia. Pelo contrário e apesar de nunca o podermos saber, Freitas do Amaral poderia ter sido um presidente mais sério, é certo que com as suas retrógradas ideias, mas mais sério e mais culto e sábio, seguramente. Pergunto-me, portanto, se Portugal terá tomado a opção correta, então.
Depois há outro ponto que não é de somenos. Em política é normalmente mais perigoso escolher um assim-assim do que alguém que é declaradamente posicionado ideologicamente. É que um governante apenas pode fazer o que o povo permite e, usualmente, um povo adormecido é a melhor receita para se governar à vontade. Veja-se o que se passa em Portugal: as maiores transformações legislativas acontecem com o PS no governo e não — como seria expectável — com o PSD. É verdade: olhe-se para o código de trabalho e para a segurança social, só para dar dois exemplos. É que o PSD, mesmo em contexto de maioria absoluta, tem que enfrentar as forças sociais para aprovar o que quer que seja. Com o PS, por esta ou aquela razão, o mesmo não acontece.
É por estas razões que, se eu fosse francês, não votaria Macron. Le Pen é xenófoba, fascista e tudo o mais que lhe queiram chamar. Macron é igual a Le Pen, adicionado de muita falsidade e hipocrisia. As políticas preconizadas por Macron conduzem à divisão social, ao empobrecimento da população, à concentração de riqueza. Macron diz que gosta muito das minorias só para as atrair, com as suas políticas — qual canto de sereia —, para guetos de baixos salários, de indigência e de indignidade. Macron é a lei do lucro a qualquer custo. Macron é a razão de ser da França ser o absurdo de sociedade que é hoje, dos seus lemas, Liberdade, Igualdade, Fraternidade, serem autênticas anedotas e é a razão de ser da existência de Le Pen e da Frente Nacional.
Os franceses votaram em dois cancros sociais e agora querem que tome posição? Não. Não farei essa escolha. Se eu fosse francês, votaria em branco. Se Le Pen ganhasse, não sentiria remorsos: podia ser que os franceses juntassem juízo e passassem a ser mais atentos à política e à governação. E podia ser que se unissem em torno daquilo que realmente deviam considerar precioso, Igualdade, Liberdade, Fraternidade, mas não em texto, não como ladainha para adormecer ou como medalhas em lapela bolorenta. Como realidade social, como prática diária, nos empregos, nas famílias, em cada canto do país.