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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

No vestíbulo de 2023

O novo ano começa com a toada dos anteriores: a esquerda com medo que a direita venha, abandonando o proletariado aos seus movimentos independentes, desorganizados, desunidos, despidos de consciência de classe e de ideologia. O medo de uma direita que inevitavelmente virá, não fosse o nosso sistema “democrático” um sistema de alternância sucessiva, impede a esquerda de ver que uma outra direita lá está, ocupando o trono, como sempre esteve. Esse medo retira até a própria decência à esquerda, que incessantemente procura proteger o executivo dos sucessivos embaraços relativos a atuações impróprias e não éticas de membros seus, a nomeações políticas que nem um dia resistem ao escrutínio público, rejeitando moções de censura a um governo absolutamente censurável de uma ponta à outra, defendendo-se com o verbalismo da “fundamentação”.

Deste modo, a esquerda perde o respeito por si própria, quanto mais pelos seus simpatizantes, dando um sinal claro ao eleitorado das suas prioridades no que toca a coerência ideológica ou taticismo político. O segundo tem estado permanentemente por cima do primeiro. Quando se exigia uma esquerda afirmativa, sem medo do combate político, sem medo de eleições, do eleitorado, das pessoas que vivem neste país, vemos uma esquerda que continua refém da situação em que se deixou envolver, metida no mesmo colete de forças que a defunta “geringonça” criara, temendo perder ainda mais da já modesta influência política que ainda tem.

Concretamente, vemos no Bloco de Esquerda um caso sério de inaudibilidade política: Catarina ainda fala — fala muito menos, é certo —, mas ninguém a ouve. E seria tão importante que a escutassem... O Bloco colhe hoje, mais do que nunca, os frutos de um caminho marcado pelas próprias contradições que estiveram na origem da sua fundação e que foram ficando claras com o decorrer dos seus posicionamentos políticos. O Bloco é um partido sem credibilidade cuja única saída é ensaiar um novo recomeço, como é característico destas experiências políticas de esquerda não comunista. Quanto à nova liderança do Partido Comunista Português, por seu turno, esta parece apostada em prosseguir o caminho de extirpação do “comunismo” do partido — palavra cada vez mais ausente do seu dia-a-dia: o PCP prefere expressões como “governo patriótico e de esquerda” e até o “socialismo”. Não há propriamente uma grande novidade relativamente à anterior liderança: percebe-se claramente a entrega total do partido à social-democracia. Neste quadro de profundo vexame da governação socialista, e no rescaldo de todos os eventos que conduziram ao fim da “geringonça”, é dramático, mas muito revelador, ver o desconhecido e inapto Raimundo a estender a mão ao PS, implorando por novas alianças, elogiando ainda ministros responsáveis pelo escândalo que tem sido a gestão da TAP, nomeadamente no que diz respeito ao tratamento dado aos trabalhadores da companhia aérea.

Este estado lamentável da esquerda portuguesa abre as portas do poder, claro, à direita mais reacionária que se vai movimentando nos media, que continua a crescer em influência, limitando-se a recolher os dividendos provindos do mero apontar deste estado de coisas. As perspetivas para o nosso país neste 2023 são, portanto, muito preocupantes.

publicado às 09:23

Um jogo perigoso para a democracia

— Como me posso tornar eterno? — perguntava o rei.

— Cria o teu próprio inimigo e faz-lhes crer que ele traz consigo o fim do mundo —, respondia o velho sábio.

A democracia portuguesa está mergulhada num jogo perigoso. Com a esquerda sem conseguir sequer ensaiar uma recuperação da massiva descredibilização a que foi votada com a “geringonça”, com uma direita tradicional mais ou menos morta, já meio enterrada, com lideranças cada vez mais embaraçosas, o PS viu no Chega uma oportunidade para se eternizar no poder. O Chega permite ao PS bipolarizar radicalmente o país com vantagem para si próprio, agregando o eleitorado “moderado” pela negativa, adotando a mesmíssima tática aplicada por Macron (e não só) na França, face à Frente Nacional, em sucessivas eleições.

É um jogo perigoso, de facto. O PS alimenta — com a ajuda de uma comunicação social que vibra com cada encenação de Ventura — um polo ideológico contrário às liberdades e à pluralidade democrática. E, com isso, o PS aventura-se cada vez mais à direita, perde a vergonha, o decoro, a decência da ética política. Sabe que pode fazer o que quiser que, no final do dia, dar-lhe-ão a vitória face ao perigo fascista que se ergue do outro lado.

Poderá chegar o dia em que a maioria do povo não consiga distinguir entre o menor dos males. O problema, todavia, é que, quando esse dia chegar, provavelmente não sobrará muita coisa que os distinga.

publicado às 14:12

Esmola-voucher

Os portugueses vendem a sua privacidade por pouco. E a sua dignidade por menos. No fundo, esmolar está na natureza humana tanto quanto outra coisa qualquer.

A propósito dos tais 5 euros por mês consagrados no chamado Auto-Voucher — que para a maioria dos portugueses ficará aquém desse já mísero valor — enchem-se a partir de hoje as bombas de gasolina do país.

É mais uma medida emblemática deste governo PS: um nome catita, inglesado e tal, mil promessas de apoio a quem anda a ser explorado indecentemente ad aeternum, envolvendo partilha de dados com empresas externas fora do domínio do estado, para, no final, devolver-se menos do que se dá ao pobre à saída da missa de domingo.

Emblemático.

Desprezível.

publicado às 10:40

Mudanças em perspetiva no eleitorado da esquerda portuguesa

Por diversas vezes critiquei, neste mesmo espaço, aquilo a que chamo de incoerência do Bloco de Esquerda, a sua indefinição ideológica, que se traduzem, na prática, numa social democracia normalmente disfarçada de bandeiras garridas, que vão desde a mera igualdade social até aos direitos das minorias.

 

Do mesmo modo, por mais que uma vez apontei o dedo ao Bloco por este partido colocar o princípio do mediatismo e da aprovação popular à frente de todos os outros princípios, com particular incidência na atitude genérica deste partido no seio dos acordos parlamentares que corporizaram a chamada “geringonça”. O Bloco de Esquerda foi sempre um fator de instabilidade e as suas respostas revelaram ser pouco sólidas perante as várias partes em jogo. Como resultado disso, e adicionando a inesperada capitulação ideológica do PCP, o PS obteve um ascendente político perante todas as partes, ascendente esse que mantém ainda hoje.

 

Todas as críticas efetuadas mantêm-se válidas e carecem de evidências para poderem ser revistas. Dito isto, o discurso de Catarina Martins na noite de hoje e a decisão comunicada de voto contra na generalidade a este orçamento de estado merecem ser aplaudidos. Num discurso curto e pragmático, Catarina Martins parece indicar que o Bloco de Esquerda está disposto a inverter o ciclo de mais de cinco anos que vem enfraquecendo a esquerda no seu conjunto. Esquerda que se diz esquerda não pode aprovar um orçamento de um governo que insiste em defender uma sociedade axiomaticamente precarizada; que insiste em degradar o serviço nacional de saúde, num estado de permanente falta de meios humanos e materiais, eternamente suborçamentado, particularmente neste momento de crise pandémica; que insiste em injetar fortunas colossais em gestões privadas e escandalosas de bancos.

 

Na mesma semana em que o PCP vende a sua abstenção na votação global do orçamento pela antecipação de um aumento de dez (!) euros nas pensões — e, com isso, de modo bastante reacionário até, resolve o problema do governo e enterra qualquer aspiração de negociação que o Bloco poderia ainda manter —, esta afirmação do Bloco adquire uma relevância assinalável e pode resultar em deslocações de eleitorado significativas no campo da esquerda portuguesa, quer à sua direita, quer à sua esquerda, no futuro próximo.

 

 

publicado às 22:00

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