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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

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Sistema fiscal: um sistema de controlo

Sem darmos bem por isso, sem falarmos ou discutirmos muito o assunto, eis que nos encontramos já perfeitamente mergulhados num sistema burocrático que, qual Big Brother, tudo sabe sobre a nossa vida, sobre as nossas compras, investimentos, poupanças, todo e cada um dos passos que diariamente damos. O sistema E-Fatura é exatamente isto: um sistema de controlo que o exerce sobre cada um dos cidadãos.

http://www.toonpool.com/user/1335/files/big_brother_sam_171145.jpg

Em bom rigor, deveríamos antes dizer que o controlo é exercido sobre cada um dos cidadãos trabalhadores por conta de outrem, sobretudo, mas também sobre os pequenos comerciantes, porque para os outros, para quem vive nas mais altas esferas, nas esferas dos offshores, dos grandes negócios, das lavagens de dinheiro, da corrupção e do tráfico de influências, há toda uma lei à parte.

 

Estes últimos, podemos dizê-lo com propriedade, não são afetados nem pelo E-Fatura, nem por qualquer outro sistema do género. Vivem nas mais altas esferas. Respiram um ar mais rarefeito, mais puro. Do ponto de vista do sistema, assemelham-se mais a deuses do que aos comuns mortais os quais, cá em baixo, devem ter todos os seus movimentos detalhadamente registados e justificados.

 

Começa a tornar-se tarde para inverter este caminho trilhado porque existe toda uma filosofia que é injetada nas pessoas de cá de baixo desde tenra idade. O que é difícil inverter é exatamente essa filosofia, essa mentalidade. Cada passo dado é acompanhado de uma ideia de facilitismo do sistema, de “agora vai ser mais fácil preencher o IRS”, e essa ideia é ativamente promotora do caminho. Observe-se que o E-Fatura não é o início do problema, é simplesmente o último update facilitador do sistema fiscal que temos que recolhe informação que, verdadeiramente, não lhe devia dizer respeito.

 

Ontem, na Quadratura do Círculo, ouvi Pacheco Pereira dizer algo de absolutamente evidente, mas que pouca gente diz, qualquer coisa como “Se amanhã a PIDE voltasse a Portugal teria todo o seu trabalho já feito”. Mas, na realidade, importa perguntar para que seria necessária a PIDE no contexto atual? Por ventura a existência da PIDE justificar-se-ia, na ótica do antigo regime, precisamente pela ausência das estruturas burocráticas e filosóficas que existem e se expandem aos nossos olhos, que tão profundamente implementadas estão nos dias de hoje. Para que é necessária uma polícia política, para que são necessários bufos e delatores, quando existem Facebook, Twitter e afins, quando a maioria dos cidadãos partilha voluntariamente a sua intimidade na rede e expõe publicamente a sua rotina à devassa da sociedade — sendo julgados e catalogados desse modo?

 

É, portanto, muito importante que se tenha a consciência plena de que esta questão não nos é somente imposta externamente. Todos concorremos coletiva e ativamente para ela. Com efeito, o sistema capitalista dispõe de argumentos que não cessam de me causar o mais profundo espanto: a troco de uma ilusão de facilidade ou de fugaz notoriedade, faz-nos abdicar voluntariamente e sem quaisquer outras contrapartidas do nosso mais basilar direito à privacidade.

publicado às 13:08

“We are in the zone where normal things don't happen very often”

Possuo uma mente ávida de conspiração. É um facto. E é muito fácil para mim identificar estratégias conspirativas no seio das mais banais cenas quotidianas. É bom que o afirme desde já.

 

Todavia, os acontecimentos recentes que ocorreram tão perto do coração da França arrebataram-me a imaginação. Não consigo conceber a coisa do ponto de vista lógico. Simplesmente não consigo.

 

Recentemente passeei pela Avenida dos Campos Elísios, Notre Dame, Montparnasse e senti, na pele, as rusgas impiedosas pelas camionetas que faziam o acesso à cidade. Sublinho a adjetivação. Impiedosas. Militares armados até aos dentes e de má cara, como é seu apanágio, revistaram todas as malas e passaram a pente fino todas as identificações. Lembro-me de murmurar: “qual união europeia, qual espaço schengen, qual quê...”.

 

E passadas umas escassas semanas acontece isto...

 

É difícil de acreditar que uma operação destas possa ser montada por debaixo dos narizes daqueles que têm o poder de saber a que horas cada um de nós se levanta, quando vamos ao quarto de banho, o que tomamos ao pequeno almoço, as compras que fazemos, o que pesquisamos na internet, etc, fruto da rede de satélites que passam o dia a orbitar em torno das nossas cabeças e do controlo absoluto dos meios de comunicação. É difícil de acreditar que uma operação de tamanha envergadura, que envolve armas e armas de grande porte, combinações e planeamento apurado, possa passar despercebida e surpreender as nossas sociedades que, desde o onze de setembro, tanto desconsideram a privacidade dos seus cidadãos em favor de um suposto combate ao terrorismo.

 

Mas ainda que dê de barato que, por improvável que seja, a coisa possa acontecer e surpreender o mundo em plena luz do dia, como aliás aconteceu, ainda que possa acreditar nisso, o mesmo não poderei fazer relativamente às cenas subsequentes: em plena luz do dia e à vista de todos, os criminosos fugiram às autoridades que, de momento, lhes perderam o rasto. É simplesmente inconcebível.

 

Parece que entrámos numa twilight zone repleta de situações surreais que não fazem sentido algum.

 

Não obstante, tudo isto me parece muito perigoso. A extrema direita francesa está a um pequeno passo do poder e toda esta situação encaixa na perfeição numa linha de argumentação xenófoba e intolerante, fornecendo ilustração conveniente. Esperemos que tudo isto não sirva de empurrão decisivo e oportuno para um retrocesso generalizado nos valores da igualdade e da solidariedade entre os povos do mundo.

 

Termino com uma nota breve. Como fica demonstrado ao longo dos eventos que marcam este novo milénio, a segurança das sociedades não se faz com um excesso de forças de segurança, nem com ações repressivas das liberdades individuais. A segurança é uma consequência mais complexa de uma sociedade saudável, formada por cidadãos com emprego e qualidade de vida. Pensar que se resolvem os problemas despejando militares munidos de metralhadoras nas sociedades, revistando aleatoriamente os seus cidadãos, é armar um espetáculo que não resolve coisa nenhuma, a não ser limitar a liberdade da esmagadora maioria de cidadãos cumpridores. Nestes momentos, é importante que se pense no tipo de sociedade que estamos a construir, das sementes que estamos a plantar e, mais do que nunca, não sucumbir ao medo.

publicado às 15:10

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