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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Como a História é uma coisa curiosa, hem?

Como a História é uma coisa curiosa, hem? Via hoje as cerimónias dos cem anos do armistício da Primeira Grande Guerra, ouvia as palavras comprometidas do nosso Presidente, incomodado que anda nestes dias com a questão de Tancos e com a omnipresente ideia de nós sabermos que ele já sabia — acho que já não oferece beijinhos, nem se disponibiliza para selfies —, ao mesmo tempo que se assistia a uma parada militar mais ou menos caricata. Onde é que já se viu celebrar a paz com uma parada militar? Não sei. Já se deve ter visto, com certeza. A mim, não se me afigura com muito sentido.

 

Mas, como a História é uma coisa curiosa, hem? Vejam bem: celebramos um armistício de uma guerra como se fosse uma guerra qualquer, como se fossemos uns como os franceses ou os ingleses, como se nos pudéssemos chamar de “aliados”, assim, com propriedade! Celebramos com um sentimento de orgulho que até parece autêntico! Não lhe denoto, com efeito, vestígio algum de fingimento! Pergunto-me: de onde vem tal sentimento?!

 

Acaso não saberemos dos contornos desastrosos, trágicos mesmo, da nossa participação na Primeira Grande Guerra? Não ensinam isto às gerações mais jovens? Ou estas já não se lembram porque nunca lhe dedicaram especial atenção? O que somos nós, afinal, no meio disto tudo, desta sociedade feita feira de entretenimento? Verbos de encher? Carne para canhão?

 

Não exageremos, pois. Carne para canhão não seremos nós na justa interpretação da idiomática expressão. Esse papel foi dedicado aos nossos antepassados que participaram na Primeira Grande Guerra, homens de trabalho, pais de família, maridos, destacados e alinhavados às pressas, para serem enviados para França, para servirem como moeda de troca para favores de política internacional. Esse batalhão mal amanhado seria, esse sim, usado literalmente como carne para canhão em batalhas na região da Flandres, com destaque morbidamente particular para a Batalha de La Lys, em abril de 1918, com a perda desnecessária, evitável, dizem os entendidos, de milhares de vidas portuguesas, joguetes nas aprumadas mãos dos generais ingleses e franceses.

 

O Presidente da República faria bem em evocar esta desgraça, esta humilhação que nos foi infligida pelos nossos “eternos aliados” que nos usaram como carne para canhão, em vez de jogar conversa fora, em vez de recitar adjetivos sobre conceitos vagos e indeterminados como é tão seu apanágio. Podia aproveitar para o fazer quando visitar Paris, na próxima semana, para participar das celebrações que lá ocorrerão. Daria ao mundo, estou certo, uma imagem bem diferente do nosso país.

 

Adicionalmente, a participação portuguesa nesta guerra cujo fim se evocou hoje terá sido o princípio do fim da Primeira República que viria a ter o seu desenlace na ditadura militar. A guerra empurrou o país para a penúria, para a miséria e para as mãos do fascismo. É claro que o Presidente da República não falará nada sobre este assunto. Não é por desconhecer. Afinal, Marcelo é o afilhado do último ditador deste país. Ele sabe.

 

Como a História é uma coisa curiosa, hem? Desculpem a repetição. Cem anos parecem ser o suficiente para lavarmos completamente as memórias de um povo e para transformar o branco em preto e o preto em branco. Estou a exagerar: hoje em dia, as redes sociais e os smartphones fazem o mesmo numa questão de horas.

publicado às 17:18

Paralelo com mil novecentos e dez

Dizia-se da primeira República, a de Teófilo Braga, Manuel de Arriaga e Bernardino Machado, que dececionara o povo de tal forma que se constituíra como uma versão mais cara e corrupta da monarquia defunta. Tais razões, aliás, estão na base, segundo se crê, da ascensão aclamada ao poder da ditadura militar fascista.

 

É, todavia, paradoxal. A esta hora que escrevo, acompanho em direto a tomada de posse do quinto Presidente da República (a terceira República) desde o Vinte e Cinco de Abril, e a cerimónia assemelha-se mais à tomada de posse de um rei, rodeado de suas promíscuas cortes, do que de outra coisa qualquer. Está lá o chefe dos padres, estão lá os representantes nacionais e internacionais, está lá o povo, do lado de fora, a bater palminhas e a tirar fotografias. Não falta nada ao sinistro quadro.

 

Os níveis de despesismo não são diferentes daqueles que grassavam no ano de mil novecentos e dez e seguintes. Qualquer um facilmente percebe isto, basta tomar atenção nos números da despesa das várias presidências que se comparam com as mais faustosas monarquias europeias.

 

Por ventura, as razões que outrora, não há muito tempo, conduziram Portugal ao fascismo não serão tão simples de entender. Por ventura, serão mais profundas. Não será simplesmente o despesismo e a corrupção ou a indecência e a pompa, visto que estes, por ora, são entendidos e aceites como naturais. Será outra coisa qualquer.

 

Não há decoro. Simplesmente não há. Mas o povo parece gostar.

 

https://largodoscorreios.files.wordpress.com/2013/10/5-de-outubro-3.jpg

 

publicado às 10:02

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