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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

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Transmissão de valores

Hoje tomei conhecimento de que Fernando Medina, a maior esperança política do PS, é filho de Edgar Correia e de Helena Medina, dois destacadíssimos comunistas e intelectuais do final do século XX.

 

Não deixa nunca de me espantar como é possível que dois comunistas sejam capazes de educar um não comunista.

 

Bem entendido, é certo que o filho pensará pela sua própria cabeça e também é certo que deterá o seu próprio património genético. Neste particular, é possível que “ser comunista” esteja codificado num gene recessivo. Também há a possibilidade — ainda mais provável devido à clandestinidade e cárcere dos pais em tempos de ditadura — de que o filho tenha sido educado pela ama e não pelos progenitores como seria devido. Tudo é especulação neste ponto.

 

A questão é que ser comunista é uma questão de princípio, é uma questão moral mesmo. Ser comunista é ver o mundo de forma diametralmente diferente e é algo que, uma vez adquirido, faz parte do ser. É indissociável. Nunca me deixa de espantar, por conseguinte, quando vejo que tal tarefa de transmissão de valores tão singulares, digamos, de pais para filhos falha tão redondamente. E é aquela sensação recorrente de se ver alguém que podia ser melhor do que o que é não ser mais do que o que é comum, do que é vulgar, no contexto do pensamento dominante. Para Fernando Medina ser aquilo que é do ponto de vista dos valores, bem que podia ser filho de outro casal qualquer, não precisava de ser filho de Edgar Correia e de Helena Medina. É um sentimento de desperdício.

 

Depois continuei a ler sobre o resto da vida de Medina, o casamento e os sogros. Aqui a história começou a tornar-se mais interessante, porque é sempre tão interessante conhecer os passos e os degraus que levam, um após outro, os poderosos ao poder. Os requintes do processo assemelham-se aos requintes com que uma aranha tece a sua teia e aguarda pelo momento oportuno para colher os seus frutos. Não privarei, todavia, os meus leitores do gozo de descobrirem esta parte da história por eles próprios. A história está aí, na rede. É só pesquisar.

publicado às 20:25

Paternidade

O caminho de cada um de nós não se principia no dia em que nascemos. É anterior a esse momento. Nós somos os continuadores de algo maior que nos transcende. Não interessa se disso temos ou não consciência. É mesmo assim.

 

Muitos dos problemas das sociedades começam exatamente aqui, na falta de consciência disto mesmo que escrevo. Somos para aqui paridos, abandonados cada um à sua sorte, sem saber de onde vimos, quanto mais para onde vamos, sem termos consciência do que somos, sem ideia do que devemos ser, ambicionar ou construir.

 

Paternidade é, acima de tudo, isto que acabei de escrever: não deixar que os filhos cresçam órfãos de ideias, órfãos da sua própria história, como se fossem corpos inanimados de alma, enjeitados à sua própria sorte.

 

Dedico este texto ao meu Pai, por ser o melhor Pai que um homem pode ser.

Por me dizer:

 

“Filho, tu vens daqui.

Vês?

Percorremos este caminho que se estende nas nossas costas com as nossas dificuldades, com o nosso trabalho.

Vês?

Mas chegámos até aqui, onde estamos agora.

E os teus avós são estes. E os teus bisavós aqueles ali.

E estes aqui são os nossos valores: a solidariedade, o trabalho, a amizade, o caráter, a integridade, a honra.

É disto que nós somos feitos. É este o nosso património. Não são casas, nem contas, nem carros, nem cordões de ouro. É isto aqui — dizia ele, sentado ao meu lado, apontando para o peito —. É isto aqui.

É disto que tens que pôr em cada coisa que faças ao longo da tua vida.”

 

Amanhã é o Dia do Pai. Sem a celebração de um significado substantivo, transformador, para o conceito de paternidade, repete-se neste dia um ritual capitalista sem sentido, de consumo frívolo, de celebração de coisa nenhuma. Os filhos oferecem presentes aos pais para expressar a sua gratidão por simplesmente terem sido gerados, por terem sido postos ao mundo.

 

Não, Pai: eu agradeço-te pelo que me deste e pelo que ainda hoje me dás, pelo que é invisível mas ao mesmo tempo tão essencial porque me dá força e sentido para eu ser quem sou e o que almejo ser. Agradeço-te, Pai, por não ser hoje um indigente no campo da família, dos valores ou as ideias, por ter uma estrutura que me suporta a todo o instante, que toma parte e que é parte de mim em todas as minhas escolhas. Agradeço-te, Pai, por me teres dado uma família. E agradeço-te, também, por não ter começado do zero, por poder ser continuação, como se o meu corpo e mente transportassem o que é teu e o que é da Mãe, o que é dos avós e dos bisavós.

 

A nossa existência, Pai, não é em vão.

 

http://data.whicdn.com/images/52367366/large.jpg

 

publicado às 23:33

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