Foi exatamente para isto que o muro caiu
É oficial. Todos os governos de cariz minimamente progressista que, desde o início do século, conquistaram vários países da América latina, foram derrotados. Não interessa os milhões que retiraram da pobreza, da miséria e da iliteracia. Não interessa nada. Todos foram derrotados. O único que ainda resiste é a Venezuela, mas a que expensas? Um país destruído, uma sociedade devastada por uma guerrilha urbana, permanente, de mercenários a soldo do capitalismo monopolista americano, imobilizada por bloqueios económicos vários. Ah, claro, também há a valente ilha de Cuba, mas não a considero para estas contas particulares.
Ontem foi a vez da Bolívia. Nesse governo de vanguarda, liderado pelo índio Evo Morales, coisa ímpar em todo o mundo, os números mostravam crescimento económico acompanhado de distribuição de riqueza, de educação e de cultura pelo povo à custa dos lucros das multinacionais do gás natural. Pois era exatamente aí residia o problema de Evo Morales e do seu governo boliviano. Era exatamente por isso que era insultado de ditador e de outros nomes que tais. Foi esse o seu pecado. A receita aplicada nesse país foi o corrompimento dos militares. Trata-se de um presidente que venceu sucessivas eleições e que nem a promessa de novas eleições demoveu os militares na sua ação de deposição do governo. A democracia só interessa quando é favorável ao poder burguês.
Antes tinha sido o Equador e a Argentina, estes pela via democrática. Normalmente, a democracia é muito vantajosa para o capital, cuja principal aptidão reside na propaganda apelativa e sedutora. No Brasil, mesmo com toda a propaganda, ainda se reforçaram as hipóteses de vitória — daquela figura sinistra chamada de Bolsonaro — com um impeachment perfeitamente injustificado a um presidente legítimo — até aos dias de hoje absolutamente nenhuma ação judicial foi movida contra a Presidente deposta Dilma Rousseff — e a invenção de um processo criminal ao principal candidato da esquerda, Lula da Silva, que resultou no seu oportunístico e também injustificado encarceramento que o impediu de concorrer às eleições.
Cada caso tem uma estratégia própria, adaptada à realidade e ao folclore local. Em todos eles, os media constituíram-se como agentes ativos para os golpes de estado, para a indecência, providenciando argumentário, adjetivação e respaldo para a perpetração das patifarias, com lavagem cerebral em massa da melhor. Outra coisa não seria de esperar. O problema é nosso por esquecermos para quem os jornais e as televisões trabalham, quem são os seus donos e senhores.
Tudo isto mostra como o jogo democrático é viciado. Tudo isto mostra como as estruturas são corruptíveis, como é fácil ao capital corromper, perverter, degenerar, adulterar o sistema para seu proveito. Qual estado de direito, qual quê? Onde está a independência dos poderes? Democracia, golpe de estado, propaganda, perseguição judicial, guerrilha urbana. Basta escolher. Este é o fim da história, é o fim da história que as populações humanas escolheram.
Há uns anos caiu o muro de Berlim e festejámos, lembram-se? Foi exatamente para isto que o muro caiu. Continuem a festejar, até que o sistema entre pela vossa casa adentro para aumentar os seus lucros às vossas custas e às custas dos vossos filhos.