Em terra de cegos...
Em Portugal dizer-se que não se gosta de Matemática e, mais grave, justificar-se desse inaceitável modo o insucesso na área, tornou-se algo de natural, tão natural como se nascer a gostar de fado, de futebol e de Fátima.
Ao longo dos anos, a sociedade portuguesa estimulou e acarinhou este género de comportamentos quer através de uma simples inação, quer através dos modelos sociais que ativamente promoveu e continua a promover. Com efeito, não existe uma mudança de paradigma no que a este particular, a forma como vemos a ciência, diz respeito. Os símbolos sociais mais estimados são inexoravelmente os modelos com que moldamos os adultos de amanhã e esses símbolos, esses modelos, são os jogadores da bola, os cantores populares e os atores de novela. Atenção que não existe aqui nada contra a existência de tais símbolos. Simplesmente e sem sombra de dúvida, a sociedade colhe as gerações que semeia.
Neste sentido, o amanhã tem a vocação de nos surpreender no dia de hoje. A falta de formação matemática, como simples cultura geral, surge gritante no folhear de um jornal qualquer. Neste fim-de-semana os exemplos são vários. Os mais frequentes estão presentes nas conclusões que se retiram das sondagens. Falta estudo de Estatística, falta saber o conceito de “amostra representativa”, de “erro máximo”, de “nível de confiança” e outros, falta tanta coisa... E, contudo, referem-se ao resultado das sondagens como “factos”. Utilizam mesmo a palavra “facto”. Por vezes fico na dúvida se será mesmo ignorância pura ou se também eles farão parte do processo de manipulação da opinião pública.
Também houve aquela referência engraçada à sequência de Fibonacci. Só que a sequência estava errada... Faltava um crucial número. Foi uma pena, o texto estava a dar a ideia de que o autor percebia imenso da matéria mas houve qualquer coisa que falhou entre o ditado ou a célebre técnica do copy-paste.
É claro que tudo isto é significativo. É claro que tudo isto exibe com nitidez onde estamos metidos, por um lado, e, por outro, de que massa é feita quem tem voz neste país. Também é evidente que o fomento deste estado de espírito face à Matemática e à Ciência em geral, mas também à História e à língua, por que não dizê-lo, é útil para a manutenção dos públicos que ouvem e aceitam, acriticamente por ignorância, este tipo de opinião. É a promoção dos cegos, geração após geração, para que os reis do costume mantenham o seu poder.