Paralelo com mil novecentos e dez
Dizia-se da primeira República, a de Teófilo Braga, Manuel de Arriaga e Bernardino Machado, que dececionara o povo de tal forma que se constituíra como uma versão mais cara e corrupta da monarquia defunta. Tais razões, aliás, estão na base, segundo se crê, da ascensão aclamada ao poder da ditadura militar fascista.
É, todavia, paradoxal. A esta hora que escrevo, acompanho em direto a tomada de posse do quinto Presidente da República (a terceira República) desde o Vinte e Cinco de Abril, e a cerimónia assemelha-se mais à tomada de posse de um rei, rodeado de suas promíscuas cortes, do que de outra coisa qualquer. Está lá o chefe dos padres, estão lá os representantes nacionais e internacionais, está lá o povo, do lado de fora, a bater palminhas e a tirar fotografias. Não falta nada ao sinistro quadro.
Os níveis de despesismo não são diferentes daqueles que grassavam no ano de mil novecentos e dez e seguintes. Qualquer um facilmente percebe isto, basta tomar atenção nos números da despesa das várias presidências que se comparam com as mais faustosas monarquias europeias.
Por ventura, as razões que outrora, não há muito tempo, conduziram Portugal ao fascismo não serão tão simples de entender. Por ventura, serão mais profundas. Não será simplesmente o despesismo e a corrupção ou a indecência e a pompa, visto que estes, por ora, são entendidos e aceites como naturais. Será outra coisa qualquer.
Não há decoro. Simplesmente não há. Mas o povo parece gostar.