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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Um prédio chamado Portugal

Nesta última semana, assistimos ao precipitar forçado de um desenlace no caso do prédio Coutinho, um caso que se prolonga há coisa de vinte anos mas do qual a maioria de nós apenas agora tomou conhecimento.

 

Corria o ano de 1972. O terreno do então mercado municipal da cidade era vendido em hasta pública a Fernando Coutinho, emigrante no Zaire, que, naqueles novecentos e setenta e cinco metros quadrados de área, edifica um prédio de imponentes treze andares que ficou conhecido pelo nome do seu construtor.

 

O edifício, erigido em pleno centro histórico da cidade, beijando uma das margens do rio Lima, levantou, logo desde o momento da sua construção, as mais variadas críticas, sendo que a primordial é absolutamente evidente: basta observar o panorama arquitetónico da cidade para identificar o desfeio estético que o gigante de treze andares provoca no casario histórico de Viana.

 

Foi, por isso, natural que, desde o primeiro momento, tenham brotado iniciativas para reverter a situação e demolir o edifício. Essas iniciativas começaram logo em 75 e estenderam-se até aos dias de hoje. A maioria dessas iniciativas foi frustrada por uma argumentação absolutamente pragmática: um país pobre como o nosso não poderia desbaratar o capital necessário quer para a demolição de um prédio de treze andares em perfeitas condições quer para indemnizar os muitos habitantes do edifício. E, assim, o conflito permaneceu em jeito de banho-maria até à viragem do século, mantido pelo pragmatismo inexorável da coisa. Na calda, todavia, medrava uma espécie de bactéria que crescia no silêncio, pela calada, à sombra quiça dos ideais puros e inocentes envolvidos.

 

No ano 2000, José Sócrates, então ministro do ambiente do governo de António Guterres, qualificava o prédio Coutinho, que já contava com um quarto de século em respeitável idade, como um “cancro e um aborto arquitetónico” e defendia abertamente a sua demolição. Reparem que José Sócrates foi o mesmo ministro do ambiente que achou bem, por exemplo, a construção do Freeport de Alcochete em plena zona de proteção especial do estuário do rio Tejo. Entretanto, Portugal ficou “de tanga” com os governos de Durão Barroso e Santana Lopes e o processo voltou a estagnar.

 

O avanço decisivo no processo de demolição do prédio Coutinho viria a dar-se em 2005 quando — adivinhem — José Sócrates ascende a primeiro-ministro. Em junho desse ano é declarada a utilidade pública do prédio Coutinho e a sua consequente expropriação com vista a construir — imagine-se! — um mercado municipal.

 

Depois de uma morosíssima batalha legal, que opôs os moradores e proprietários das frações do prédio Coutinho à câmara municipal de Viana do Castelo e ao governo, chegamos aos dias de hoje. A troco de uma verba irrisória que não lhes permite adquirir uma propriedade equivalente nem nos arredores de Viana, quanto mais no centro da cidade, os moradores estão obrigados a sair das suas propriedades, estando sujeitos às mais infames coações e intimidações, a última das quais por parte do atual ministro do ambiente que os acusa de serem os fora-da-lei em todo o processo.

 

Neste momento, sobram nove habitantes, já idosos, que resistem a sair. Desde esta semana, estão privados de água e comida, estão impedidos de consultar o seu advogado, ou de receber qualquer tipo de visita, ao mesmo tempo que o prédio começa a ser demolido com eles ainda no seu interior.

 

Reparem na justiça e na moralidade do processo. Parem um pouco, fechem os olhos e reflitam.

 

  • A câmara de Viana vendeu o terreno do seu mercado.

 

  • O construtor edificou um prédio respeitando rigorosamente a volumetria permitida pela câmara.

 

  • As pessoas adquiriram as suas habitações pagando o seu justo valor.

 

  • A câmara e o estado decidem que afinal mudaram de ideias e a coisa não está bem feita.

 

  • As pessoas são forçadas a sair e a abandonar os seus imóveis para se construir um novo mercado da cidade.

 

É ridículo. O prédio Coutinho é, na verdade, um prédio chamado Portugal apenas possível porque nós, portugueses, somos, acima de tudo, pessoas de bem e pessoas pacíficas.

publicado às 10:24

Eles dizem descentralização. Eu ouço condenação.

Em meados do novo milénio iniciou-se um processo célere no nosso país que se consumou numa alteração de estatuto das universidades públicas. Artificialmente constituídas como fundações, as universidades cortaram, mais ou menos conscientemente, com maior ou menor lucidez dos seus reitores, o seu cordão umbilical com o estado que suportava o seu normal funcionamento desde sempre. As dotações diminuíram quase que instantaneamente e as instituições de ensino superior passaram a ter que sobreviver num estado de constante penúria e, sem fundos para sequer suportar a sua própria limpeza, a recorrer ao aumento exponencial de propinas e a outros subterfúgios no limiar da própria lei para garantir serviços e quadros docentes cada vez mais precários.

 

O meu ponto neste artigo não é o reavivar de páginas da história como mero exercício de domingo de manhã. O meu ponto é abordar de uma forma meramente racional esta história da descentralização que o governo PS de mãos dadas com o PSD nos anda a vender ad nauseam ao longo das últimas semanas.

 

É que a história que contava da transformação das universidades públicas em fundações que ocorreu nos primeiros anos de dois mil, não nos foi apresentada inicialmente da forma como eu a descrevi. Não. Surpreendentemente, ou talvez não, o processo foi-nos vendido como uma forma, não de diminuir o financiamento público do ensino superior como se veio a verificar, mas como uma forma de tornar as universidades mais autónomas, mais independentes, capazes de obterem outras e mais formas de financiamento próprio. Esse foi o conto de fadas que os governos da altura nos apresentaram. Já não sei se a palavra descentralização terá sido usada nessa altura, no contexto académico, mas se não foi, bem que poderia ter sido. O conceito de descentralização dos governos burgueses é sempre este: descartar responsabilidades; diminuir o financiamento.

 

Cerca de quinze anos depois, o que está na base deste propalado processo de descentralização que nos tem sido vendido é exatamente isto: o governo central desfaz-se de competências que são suas e que são essenciais às populações e entrega-as às autarquias. Fá-lo com a maior das boas vontades, com uma promessa de autonomização na boca. Mas nós já sabemos o que vai acontecer (lembram-se das universidades?): numa primeira fase, dotará as autarquias das verbas indispensáveis para que estas possam ser capazes de fazer face às suas novas responsabilidades; numa segunda fase, tão breve quanto possível, iniciará uma drástica diminuição das dotações necessárias; finalmente, as autarquias, incapazes de sustentar as suas novas responsabilidades, entregarão, por necessidade ou mesmo por convicção ideológica dos seus líderes de ocasião, essas responsabilidades, esses serviços democráticos, à exploração privada e aos desvarios do lucro empresarial; no final, de um modo ou de outro, ao povo, não restará nada. Se, então, o povo quiser educação, saúde ou transportes, que pague!

 

Os meus leitores que me desculpem, mas isto não é descentralização, nem aqui nem na China, independentemente da perspetiva que se tenha, seja deitado, seja a fazer-se o pino. Descentralização é pegar nos ministérios e nas secretarias de estado e sedia-las no interior e no litoral desabitado. Descentralização é não fechar escolas, centros de saúde, tribunais e correios. Descentralização é levar a cultura a todos os cantos do país e não se contentar apenas com os teatros da capital e com o Centro Cultural de Belém. Descentralização é isto e é muito mais: é, precisamente, o contrário do que todos os governos democráticos têm feito neste país.

 

Pelo contrário, o acordo entre governo e PSD não é mais que a história a repetir-se. É a mais pura baixeza política e sordidez de caráter. Eles dizem descentralização. Eu ouço condenação. Condenação dos serviços públicos, do país e da democracia. Ou do que resta dela.

publicado às 11:13

Por lá e por cá

Acho incrível como é que subsiste tanta gente que, depois de décadas de intervenções vergonhosas, indecentes e oportunistas no Médio Oriente, ainda atribui algum crédito aos Estados Unidos da América e aos seus lacaios patéticos, Reino Unido e França. É coisa que, sinceramente, nunca hei de entender!

 

Portugal assumir-se como um país sem espinha dorsal, isso já é fácil de entender. Sempre assim foi. O contrário constituiria novidade. E António Guterres, enquanto presidente das Nações Unidas, comportar-se como um verme vulgar com voz de sacristão que rouba o cesto das esmolas? Isso também é fácil de aceitar. É a natureza de cada um.

 

Agora, todavia, as coisas estão um pouco diferentes. Há um certo respeito que será receio, talvez, que se sente no ar. Um respeito por uma Rússia que se reergueu sem se dar por ela e que faz questão de não participar na fantochada diplomática do costume. Desengane-se quem procura adivinhar uma terceira guerra mundial: estes bombardeamentos são mero fogo de artifício para o mundo ver e, ainda assim, com aviso prévio aos russos porque isto do respeitinho... é coisa que é muito bonita.

 

Por cá, assistimos ao princípio do fim do mito a que se convencionou chamar de “geringonça”. Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português fazem-me lembrar, com efeito, aquelas esposas continuamente traídas e mal tratadas num mau casamento que se mantêm na relação por amor aos filhos — os trabalhadores e o povo, no léxico comunista. Agora, parece que o marido, o PS, prepara-se para trocar em definitivo as esposas pela amante de sempre, a direita, corporizada no PSD. Esta história do “ir mais além que as metas europeias do défice” não tem nada de novo. O que aconteceu repetidamente no passado com as cativações é de idêntica natureza. A diferença é que, agora, o PSD apresenta-se solícito para tudo aprovar em matéria de política interna, sobretudo porque esta assim vai de encontro harmonioso aos interesses da burguesia que PS e PSD tão bem representam.

 

O PS conseguiu — facto assinalável —, ao longo de todo este mandato, fazer uso de BE e de PCP a seu bel prazer até ao preciso momento em que os seus pobres parceiros se esgotaram em préstimo e serventia. Um acordo mínimo foi suficiente para agarrar BE e PCP a uma prossecução de uma governação formalmente e em toda a linha de direita — contado desta forma, ninguém acredita!

 

É sem qualquer vestígio de satisfação que reconheço que este lamentável desenlace dos acontecimentos foi aqui, neste blog, repetidamente previsto e anunciado. BE e PCP ficam muito mal na fotografia e sofrerão — acredito, esperando estar errado — sérias consequências eleitorais.

 

É, por tudo isto que foi dito, que este apoio de Portugal ao mais recente bombardeamento americano à Síria me causou uma suplementar revolta. É que, e dirigindo-me concretamente ao PCP neste ponto, tendo-se revelado incapaz de forçar as reversões que realmente importavam ao país, como o Código de Trabalho, como a Segurança Social, os direitos, os salários e as reformas, não para alguns mas para todos, tendo sido incapaz de diminuir os impostos sobre quem vive do seu trabalho, tendo, enfim, deixado cair as suas principais bandeiras ideológicas em nome de uma travagem meramente simbólica da direita e da sua austeridade, deixa agora, também, cair a sua bandeira mais identitária que é a sua matriz anti-imperialista.

 

Ano após ano, no comício da Festa do Avante!, o secretário-geral do PCP estende a sua solidariedade aos povos que resistem ao imperialismo e dirige-se, concretamente, aos povos do médio-oriente. Como é que Jerónimo de Sousa conseguirá dizer isso este ano, tendo suportado parlamentarmente um governo que se aliou a uma agressão imperialista? Como? Não será possível. Não será mais possível.

 

É verdade que o PCP distanciou-se do governo e criticou-o por esta posição, mas caramba! Exigia-se mais! Estaremos a brincar às coligações? Ou para o PCP isto do imperialismo é conversa fiada que serve apenas para encher discursos e entreter as massas?

 

Não! Isto é muito sério. E, se o PCP fosse fiel à sua própria história e ideário, António Costa, depois da sua miserável intervenção de quinta-feira, caía durante esta mesma semana do seu pedestal de poder a menos que se retratasse e retirasse o nome do país desta abjeta lama onde o mergulhou.

 

O PCP, todavia, parece permanecer fiel a este medíocre papel de esposa desonrada de que falava acima. Queixa-se do governo que tem apoiado. Queixa-se num contínuo pranto. Mas não faz nada. Não faz nada.

 

Não faz nada.

 

Liga para o apoio à vítima, PCP. Liga. O número é o 116 006. Liga: é grátis. Pode ser que te ajudem.

publicado às 22:55

Democracia é escutar e debater

Sobre o caso da proibição da intervenção de Jaime Nogueira Pinto na Universidade Nova de Lisboa apraz-me dizer o seguinte.

 

Tenho sempre muito gosto em ouvir alguém com um mínimo de cultura e de inteligência, convicção e coerência nos seus ideais, por muito que deles discorde. Este tipo de pessoas são um caso raro na nossa sociedade. Quando as encontramos, devemos aproveitar, porque a maioria das que pululam pelos espaços opinativos são caricaturas de cata-ventos ideológicos, movidos apenas pelos seus próprios interesses, culturalmente medíocres e intelectualmente menores.

 

Repito: quando as encontramos, por muito que delas discordemos, devemos aproveitar. Pode ser que aprendamos alguma coisa.

 

E, também, se não por mais nada, porque democracia é isso mesmo, é escutar e é debater.

publicado às 22:02

Integridade, convicção e seriedade

http://www.noticiasmagazine.pt/files/2016/08/1266_avante12.jpg

 

Jornalista TVI: Alguma vez se arrependeu de ter entrado neste acordo?

 

Jerónimo de Sousa: Não, nós entrámos com convicção, determinação e seriedade. Sabíamos das diferenças, das divergências, mas não estávamos dispostos a que PSD e CDS continuassem no governo a dar cabo do resto e, simultaneamente, sabendo dessas diferenças, pensamos que era abrir uma janela de esperança àquilo que os portugueses ansiavam (...).

 

in reportagem da TVI, Jornal das 8,

2 de setembro de 2016

 

 

O Jerónimo não tem particulares dotes oratórios ou qualidades dialéticas. O Jerónimo não tem um curso superior ou destreza especial em artes cénicas. O Jerónimo não tem respostas ensaiadas. O que diz sai-lhe com naturalidade e com franqueza, sai-lhe do coração.

 

Compare-se a resposta que deu, face à pergunta da jornalista da TVI, com o já célebre clichê de Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, “Arrependo-me todos os dias”. Aqui subjaz a diferença entre um e outro partido. Não é uma diferença de estilo. É uma diferença de integridade, convicção e seriedade políticas.

publicado às 22:23

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