A discussão em torno da taxa Robles, a taxa que o Bloco de Esquerda pretende implementar sobre a atividade de especulação imobiliária, levou-me a refletir sobre o regime fiscal mais geral que nos é imposto, enquanto sociedade que somos.
Devo dizer que, quanto mais reflito sobre o assunto, mais reforço a minha aversão natural a esta tendência da sociedade, enquanto um todo, mas que se realça particularmente na atividade de alguma esquerda política, que consiste em procurar corrigir os desequilíbrios endémicos de um regime, de um sistema — chamemos-lhe capitalismo —, com a complexificação do sistema fiscal, entenda-se, com a adição de múltiplas taxas e impostos.
Sou contra isso e sou contra impostos progressivos e escalões. Que esta minha posição fique clara desde já.
E quem tem a displicência de considerar tudo isto sinónimo de esquerda, pois deve rever bem os seus conceitos, porque isto nada tem que ver com esquerda. Não se confunda a ferramenta com o objetivo.
O regime fiscal de um país deve ser claro e deve ser muito simples, por princípio. Isto quer dizer que não deve ser muito mais que um flat tax, ou seja, um imposto percentual único sobre os rendimentos auferidos. A proporcionalidade do imposto e, portanto, a sua justiça ficam garantidas à partida, por definição.
É claro que 25% de 500 é muito mais significativo do que 25% de 100000, no que àqueles que auferem as respetivas quantias diz respeito, mas este único argumento dos defensores de escalões na taxação dos rendimentos só tem sustentação porque existe uma outra injustiça a montante: vivemos numa sociedade onde existem assimetrias na distribuição dos rendimentos que deveriam ser consideradas inaceitáveis, mas, não obstante, são consideradas naturais. O problema reside justamente aqui.
O que eu não aceito é que se procure minorar um problema de base criando um outro problema. Porque os escalões e as taxas são injustos. Porque é que alguém que em Portugal ganha 7000 euros paga 14,5% de imposto e alguém que ganha 8000 euros paga 23%? O primeiro fica com 5985 euros e o segundo com 6160 euros, ou seja, apenas mais 175 euros, quando antes de impostos tinha feito mais de 1000 euros! Isto é justo? Isto é decente? É evidente que não assim como é evidente que o que seria mais justo era, se entendermos que efetivamente 7000 e 8000 euros são as remunerações adequadas e legítimas perante a exigência das funções desempenhadas, que ambas pagassem exatamente o mesmo imposto percentual para que, pagos os impostos, se mantivesse a justeza da diferenciação entre vencimentos.
A complexificação do sistema fiscal é indesejável, não apenas porque promove a evasão fiscal nos rendimentos fronteira dos escalões, mas também porque se constitui como um inimigo natural dos mais frágeis no mercado laboral. Estes, face à sua relação de dependência patronal, não podem fugir à máquina fiscal, em contraponto com os mais fortes, com mais rendimentos, que detêm escritórios de advogados a trabalhar ativamente, quer na ativação de alçapões à lei, quer na sua feitura, numa relação de total promiscuidade com os governos.
A lei fiscal deve ser simples, para ser mais transparente. Para ser mais justa. As injustiças devem ser combatidas à partida, na fonte. O problema está na forma como a distribuição da riqueza é feita nesta sociedade capitalista e como essa mesma riqueza se vai acumulando cada vez mais nos bolsos de alguns poucos. Escalões e taxas, como esta taxa Robles é exemplo, servem para mascarar a realidade, são apenas fogos de vista para o povo se entreter, mas que, a prazo, acabam por se revelar perniciosos precisamente para esse mesmo povo que prometem, à partida, proteger.