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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

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Amazónia, imperialismo e PAN

O governo português, na pessoa dos seus mais altos representantes, é, em certos domínios, rápido e assertivo, contundente mesmo, no conteúdo e na forma como aborda determinadas situações internacionais. Ao ouvir as palavras que o seu ministro dos negócios estrangeiros proferiu, por exemplo, aquando dos momentos mais quentes, entretanto esfriados, da tentativa de golpe de estado na Venezuela, fica-se com a ideia de estarmos perante um representante de um país relevante no quadro internacional, tamanha foi a contundência empregue e o tom que até soava a ameaça. Presentemente, é pena que o governo português não estenda a sua eloquência ao drama que se vive no Brasil, país irmão de Portugal, onde um dos maiores patrimónios naturais mundiais é, neste momento em que escrevo, irremediavelmente destruído e, pelo contrário, escolha remeter-se ao mais gutural silêncio.

 

Podemos ser levados a pensar que esta diferença de comportamentos se deve à própria experiência deste governo de Portugal no que concerne a fogos florestais. Afinal, neste escasso período de quatro anos, sob o olhar e a responsabilidade deste governo, arderam tantos hectares de floresta quantos os que havia para arder, incluindo alguns de floresta milenar como o pinhal de Leiria, o que, à nossa escala, terá representado, não sei, talvez duas ou três Amazónias juntas. Mas desengane-se o leitor. A razão não é mera vergonha na cara ainda que essa seja mais que justificada.

 

A razão de ser deste comportamento dúbio é simples. O governo não serve em primeiro lugar o estado, o país ou o seu povo: serve prioritariamente os interesses do capitalismo mundial e do imperialismo. É o imperialismo que alimenta a revolta na Venezuela tentando colocar as suas unhas no petróleo daquele país. É o imperialismo que arma as populações, que forma e paga milícias populares. Por isso, o governo português apoia a revolta contra um estado soberano e um governo democraticamente eleito. Por isso, reconhece à margem de qualquer lei ou direito internacionais autoproclamados presidentes da Venezuela.

 

Do mesmo modo, é o imperialismo que, por ora, incendeia a Amazónia para expandir o seu negócio de exploração de gado e de plantações de cereais geneticamente manipulados. É o imperialismo que suporta e alimenta este governo absurdo, este presidente absurdo que desgoverna o Brasil, porque têm a promessa de altos dividendos económicos futuros. Por isso, o governo português, neste caso, mantém-se calado.

 

Bolsonaro foi eleito à custa de um golpe de estado descarado e sem vergonha movido pelo sistema judicial brasileiro e apoiado pelos media que derrubou um governo democraticamente eleito sob pretextos dúbios e absolutamente irrelevantes no contexto do país. Bolsonaro foi eleito tendo por base um programa político que se podia reduzir à frase “privatizar tudo”. O tudo incluía, evidentemente, a Amazónia. O mundo assistiu a tudo isto e achou piada. Agora lançam-se umas bocas para o ar e nada se faz. Porquê? Porque o mundo está, em geral, ao serviço dos interesses do imperialismo e é o imperialismo que está a queimar a Amazónia. Deixem-se de tretas e de hipocrisias.

 

Ai se isto estivesse a acontecer na Venezuela...

 

É por isso que me dá vontade de rir quando ouço André Silva, do PAN, os “ecologistas progressistas”, dizer que não é de esquerda nem de direita, que esses conceitos estão ultrapassados. Só há duas possibilidades para este André Silva: ou faz parte desta nova vaga de políticos que pretende enganar o povo com esta conversa de chacha “apartidária” ou trata-se, simplesmente, de um triste ignorante. Por ventura, será uma mistura dos dois. Infelizmente, parece ser essa a receita que o nosso povo mais gosta.

publicado às 10:51

Por lá e por cá

Acho incrível como é que subsiste tanta gente que, depois de décadas de intervenções vergonhosas, indecentes e oportunistas no Médio Oriente, ainda atribui algum crédito aos Estados Unidos da América e aos seus lacaios patéticos, Reino Unido e França. É coisa que, sinceramente, nunca hei de entender!

 

Portugal assumir-se como um país sem espinha dorsal, isso já é fácil de entender. Sempre assim foi. O contrário constituiria novidade. E António Guterres, enquanto presidente das Nações Unidas, comportar-se como um verme vulgar com voz de sacristão que rouba o cesto das esmolas? Isso também é fácil de aceitar. É a natureza de cada um.

 

Agora, todavia, as coisas estão um pouco diferentes. Há um certo respeito que será receio, talvez, que se sente no ar. Um respeito por uma Rússia que se reergueu sem se dar por ela e que faz questão de não participar na fantochada diplomática do costume. Desengane-se quem procura adivinhar uma terceira guerra mundial: estes bombardeamentos são mero fogo de artifício para o mundo ver e, ainda assim, com aviso prévio aos russos porque isto do respeitinho... é coisa que é muito bonita.

 

Por cá, assistimos ao princípio do fim do mito a que se convencionou chamar de “geringonça”. Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português fazem-me lembrar, com efeito, aquelas esposas continuamente traídas e mal tratadas num mau casamento que se mantêm na relação por amor aos filhos — os trabalhadores e o povo, no léxico comunista. Agora, parece que o marido, o PS, prepara-se para trocar em definitivo as esposas pela amante de sempre, a direita, corporizada no PSD. Esta história do “ir mais além que as metas europeias do défice” não tem nada de novo. O que aconteceu repetidamente no passado com as cativações é de idêntica natureza. A diferença é que, agora, o PSD apresenta-se solícito para tudo aprovar em matéria de política interna, sobretudo porque esta assim vai de encontro harmonioso aos interesses da burguesia que PS e PSD tão bem representam.

 

O PS conseguiu — facto assinalável —, ao longo de todo este mandato, fazer uso de BE e de PCP a seu bel prazer até ao preciso momento em que os seus pobres parceiros se esgotaram em préstimo e serventia. Um acordo mínimo foi suficiente para agarrar BE e PCP a uma prossecução de uma governação formalmente e em toda a linha de direita — contado desta forma, ninguém acredita!

 

É sem qualquer vestígio de satisfação que reconheço que este lamentável desenlace dos acontecimentos foi aqui, neste blog, repetidamente previsto e anunciado. BE e PCP ficam muito mal na fotografia e sofrerão — acredito, esperando estar errado — sérias consequências eleitorais.

 

É, por tudo isto que foi dito, que este apoio de Portugal ao mais recente bombardeamento americano à Síria me causou uma suplementar revolta. É que, e dirigindo-me concretamente ao PCP neste ponto, tendo-se revelado incapaz de forçar as reversões que realmente importavam ao país, como o Código de Trabalho, como a Segurança Social, os direitos, os salários e as reformas, não para alguns mas para todos, tendo sido incapaz de diminuir os impostos sobre quem vive do seu trabalho, tendo, enfim, deixado cair as suas principais bandeiras ideológicas em nome de uma travagem meramente simbólica da direita e da sua austeridade, deixa agora, também, cair a sua bandeira mais identitária que é a sua matriz anti-imperialista.

 

Ano após ano, no comício da Festa do Avante!, o secretário-geral do PCP estende a sua solidariedade aos povos que resistem ao imperialismo e dirige-se, concretamente, aos povos do médio-oriente. Como é que Jerónimo de Sousa conseguirá dizer isso este ano, tendo suportado parlamentarmente um governo que se aliou a uma agressão imperialista? Como? Não será possível. Não será mais possível.

 

É verdade que o PCP distanciou-se do governo e criticou-o por esta posição, mas caramba! Exigia-se mais! Estaremos a brincar às coligações? Ou para o PCP isto do imperialismo é conversa fiada que serve apenas para encher discursos e entreter as massas?

 

Não! Isto é muito sério. E, se o PCP fosse fiel à sua própria história e ideário, António Costa, depois da sua miserável intervenção de quinta-feira, caía durante esta mesma semana do seu pedestal de poder a menos que se retratasse e retirasse o nome do país desta abjeta lama onde o mergulhou.

 

O PCP, todavia, parece permanecer fiel a este medíocre papel de esposa desonrada de que falava acima. Queixa-se do governo que tem apoiado. Queixa-se num contínuo pranto. Mas não faz nada. Não faz nada.

 

Não faz nada.

 

Liga para o apoio à vítima, PCP. Liga. O número é o 116 006. Liga: é grátis. Pode ser que te ajudem.

publicado às 22:55

Pedro e o Lobo

Pedro e o Lobo é o nome de uma célebre história infantil contada, virtualmente, a todas as crianças, com o objetivo de fornecer instrução sobre a mentira, a sua repetição e as suas consequências[1]. Pedro é um pastor que, aborrecido com a sua tarefa, resolve arreliar a população da aldeia com a mentira de que o Lobo está atacar o rebanho. A população acorre ao local apenas para verificar que havia sido enganada, ao mesmo tempo que Pedro se diverte com a situação. A experiência é repetida um certo número de vezes com idêntico desfecho até ao dia em que, por coincidência, o Lobo efetivamente ataca o rebanho e, todavia, a população não acorre em auxílio de Pedro por pensar estar a ser vítima de mais uma partida. Todo o rebanho é perdido.

 

Quando pensamos no assunto, chega a ser surpreendente constatar que, não obstante toda a criança portuguesa ter ouvido contar a história de Pedro e o Lobo em algum momento da sua infância, a população portuguesa adulta se deixe engodar, uma e outra vez, em semelhantes esquemas de embuste.

 

Pedro! Onde está o lobo?

 

Primeiro foi o Afeganistão. Aí, desculpámos os americanos por causa do 11 de Setembro, ainda fresco e dramático na memória. É verdade que depois viemos a saber que o 11 de Setembro havia sido também ele uma fraude, com uma das torres a cair por simpatia sem que nenhum avião tivesse com ela chocado, só porque a outra também havia caído. Os americanos estavam assustados e nós desculpámos o facto de eles terem ido para o Afeganistão bombardear aquilo a torto e a direito. Chacinaram civis em fartura, tendo ficado famosos os bombardeamentos a casamentos e outras cerimónias festivas. Terroristas? Talvez tenham apanhado alguns, por engano e que, com toda a certeza, nada tinham que ver com a América e com os americanos, a não ser o facto de terem sido treinados e armados por eles para combater os soviéticos no final do século XX ou de serem descendentes destes. O suposto chefão dos terroristas, que se dizia com toda a segurança habitar aquelas montanhas afegãs, não foi encontrado.

 

O Afeganistão nem teve tempo de ser digerido e veio o Iraque. Desta vez, ainda com uns resquícios de raiva e orgulho ferido pelo 11 de Setembro, adicionou-se o facto de haver armas de destruição maciça e de se ter descoberto evidências chocantes de que Saddam era um ditador sanguinário com intenção de as usar. O número de vítimas civis cresceu exponencialmente. Ao contrário dos afegãos que habitavam o interior de montanhas e que são de natureza nómada, os persas não tinham muito como fugir na sua milenar planície. Atingiram-se novos recordes no número de escolas e hospitais destruídos. Diziam os americanos, então, que as forças iraquianas juntamente com os terroristas se escondiam nesses locais e, então, era necessário bombardear! No final da guerra, quer dizer, do grosso do bombardeamento, o Iraque tornou-se num país “sem rei nem roque”, sem estabilidade e sem governo representativo das populações. Estabeleceu-se apenas um governo fantoche para fazer as vontades aos americanos no que concerne aos seus objetivos económicos e militares. De notar a não menos relevante destruição de património da humanidade, como antiquíssimos palácios persas, bem como o saque desavergonhado — ao bom estilo do nazismo — de obras de arte de incalculável valor de reputadíssimos museus iraquianos.

 

Depois do Afeganistão e do Iraque, veio a Líbia. Substitua-se Saddam por Kadafi e tudo o que foi dito anteriormente poderá ser aplicado de novo no presente parágrafo. Kadafi era um facínora que perseguia e exterminava o seu próprio povo!, diziam eles. Não vale a pena continuar. A Líbia nunca mais foi país depois da intervenção dos Estados Unidos e dessa vil e pérfida coligação chamada de NATO.

 

A cada intervenção dos Estados Unidos, isto é, a cada mentira de Pedro, o jovem pastor, a comunicação social ocidental, particularmente a portuguesa, fez eco obediente, acéfalo, da narrativa imperialista americana. A cada mentira, a comunicação social europeia e os seus governos acudiram em auxílio e apoio dos Estados Unidos. Após cada mentira ser revelada pelas evidências da realidade, não houve lugar a qualquer retratamento ou pedido de desculpas. Houve primeiro uma procura derradeira por pretextos vazios justificativos da barbárie seguida de conveniente amnésia.

 

No momento em que escrevo, uma nova mentira é-nos vendida pelos mesmos de sempre: agora é a Síria que tem um governo que maltrata o seu próprio povo, mas há um grupo de “rebeldes” apoiado pela América que está a fazer tudo por tudo para colocar um fim à questão. Todavia, o governo Sírio, segundo dizem eles, apoiado pela malvada e não confiável Rússia, não se cansa de bombardear a pobre população, incluindo hospitais e escolas!

 

A comunicação social consegue fazer eco de tudo isto. Não se ouve a si própria, não lê o que publica nos seus jornais. É deprimente. E é deprimente que o próprio povo ouça e leia as mentiras e que acabe por aceitá-las, derrotado pelo cansaço e pela insistência.

 

Nas televisões, sucedem-se os casos de criancinhas ou bebezinhos resgatados de escombros causados pelos bombardeamentos russos e sírios, como se não existissem iguais situações do outro lado. Sucedem-se também os apelos dos rebeldes à Europa e à comunidade internacional, tecendo-se uma aura de vitimização idiota sobre os mesmos. O tratamento dado à questão é totalmente parcial a favor de quem provou ser mentiroso compulsivo.

 

Note-se que os rebeldes mais não são que mercenários pagos e armados pela América para criar o caos na Síria. Atente-se ainda na criação do autoproclamado Estado Islâmico, nascido do caos criado pelos Estados Unidos na região, intervenção após intervenção, e potenciado pela deserção, a dada altura do conflito sírio, de muitos dos mercenários que estavam a soldo da América. Nada disto é dito na comunicação social. Talvez esta seja a melhor das razões para acreditarmos que deve ser a verdade.

 

Ainda bem que a Rússia está a intervir na questão síria. Ainda bem. Pode ser que, assim, a Síria não se torne num Afeganistão, num Iraque ou numa Líbia. Resta apenas perguntar, quantas mais mentiras terá Pedro de repetir, para que a população deixe de acreditar nele?

 

[1] Não confundir esta história com uma outra versão de Pedro e o Lobo, oriunda da Rússia e celebrizada pela versão musical composta por Prokofiev em 1936.

publicado às 08:54

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