É necessária uma dose generosa de imaginação para pensar que o governo, sendo acionista com metade do capital da TAP, nada sabia sobre os prémios obscenos distribuídos esta semana pela empresa aos seus “gestores de topo”.
Em boa verdade, é irrelevante aqui para o caso que o governo detenha 50%, ou 25%, ou 10% que sejam, do capital da empresa. Até poderia nem ser acionista. Por um lado, toda a gente conhece a substância de abjeta promiscuidade entre o mundo dos negócios e o governo. Ao longo dos tempos, temos assistido — vimo-lo, ninguém nos contou — a abundantes exemplos de nomeações, passagens diretas de membros de variados governos para as administrações de bancos e empresas que, em tese, nada teriam a ver com o estado. Mas aconteceram. Por outro lado, também é claro que esta reversão da privatização da TAP anunciada no início deste governo mais não consistiu do que uma encenação em que se fingiu que o governo continuaria a mandar na empresa através da nomeação de uma série de personagens para uma comissão executiva ou de gestão. Na prática — seria importante que disto tivéssemos plena consciência — a TAP, tal como a conhecíamos, foi desmantelada para sempre. Foi entregue a um grupo de cavalheiros de trémulo “prestígio” na “gestão” de empresas do género no continente americano, e este grupo de cavalheiros fará na TAP o que desta empresa bem entender. Tendo-lhe aberto a porta do negócio europeu, o governo terá uma próxima palavra a dizer quando — e apenas quando — for preciso avançar com o dinheiro para tapar os proverbiais buracos que hão de chegar. Até lá, e porque o capital recompensa sempre os seus servos, ei-los, os prémios de produtividade para os “gestores de topo” da TAP, responsáveis por supressão de rotas, concentração da atividade em Lisboa, definhamento dos serviços essenciais ao desenvolvimento do país e, claro, de um ano recorde em termos de prejuízos. Reparem que isto é obra: na Caixa Geral de Depósitos, por exemplo, Paulo Macedo reduziu o maior banco do país a metade e, com isso, apresentou lucros. Na TAP nem isso foi conseguido. Há que valorizar o facto!
Mas voltando ao princípio do texto, é extraordinário pensar que o governo, depois de ser acionista maioritário, depois de ter a “família” espalhada pelos conselhos de gestão ou administração da empresa, depois de terem sido lavrados os contratos que preveem precisamente estes prémios que foram pagos aos “gestores de topo”, venha agora, depois de o assunto vir a público — sublinhe-se este facto, porque é sempre depois, nunca é antes —, dizer-se muito chocado e muito contra.
Haja imaginação. Haja imaginação que é o que é preciso.