O trabalhador é apenas uma peça
Hoje proponho uma reflexão sobre o efeito do capitalismo sobre o trabalho em geral.
Noto que o sistema capitalista induz nos seus trabalhadores um grande distanciamento das suas funções. Por norma, os trabalhadores não aguentam muito tempo num mesmo trabalho, estando constantemente a mudar de emprego. Isto é consequência direta da instabilidade/flexibilidade de que o sistema capitalista é feito, por um lado, e, por outro, da promoção junto de cada pessoa de uma ideia de competitividade e de procura por algo que possa ser melhor.
Este distanciamento bem patente entre trabalhador e trabalho resulta numa grande ineficácia dos serviços. Não quer isto dizer que não haja — nem sempre há — um sorriso na cara ou uma aparente boa vontade por parte do trabalhador em cumprir a sua tarefa. Não é disso que se trata. No que este distanciamento se traduz efetivamente é numa falta de sensibilidade para com as particularidades do trabalho, sensibilidade essa que decorre de uma experiência que, no contexto do sistema, nunca é adquirida. É aquilo a que se chama o “saber fazer”.
É fácil comprovar o que escrevo: quantas vezes encontramos as mesmas caras quando recorremos a um serviço qualquer? Quantas? E por quanto tempo?
E há ainda uma outra coisa que se perde ou, talvez, nunca se ganha: um respeito pelo trabalho que se tem, um certo tipo de amor que tem o condão de fazer de cada trabalhador um defensor intransigente da sua fábrica ou da sua empresa. Ao contrário do que pensam os psicólogos motivacionais do capitalismo, isto não se adquire com jantaradas ou festas onde se forçam camaradagens artificiais. O amor pelo trabalho adquire-se com anos de serviço, com o conferir ao trabalhador de estabilidade, de responsabilidade e de importância perante a sua função.
O capitalismo tudo isto renega, observando o trabalhador como uma peça na sua engrenagem de produção de lucro. O lucro fácil é, aliás, a razão de ser de tudo o que acontece na sociedade capitalista. Para disfarçá-lo, a ideologia capitalista carrega no botão da propaganda, dos anúncios, da imagética, produzindo uma mensagem hipócrita por ser tão contraditória. Esconde-se atrás das novas tecnologias e em pseudo-novos-avanços-tecnológicos, que na maior parte dos casos se revelam absolutamente redundantes, na prestação de serviços que sempre serão essencialmente os mesmos. O povo normalmente vai atrás dessa imagem de contínua novidade quando aquilo que procura normalmente é de uma natureza perene como a folhagem de certas árvores.
Simultaneamente, a vertigem pelo lucro fácil induz a seleção daqueles trabalhadores que se resignam a vender o seu trabalho pelo menor preço, o que, por sua vez, conduz a uma real deterioração da qualidade humana/técnica dos trabalhos, ao contrário do que a propaganda capitalista afirma.
Neste processo, o que realmente se perde é uma filosofia de constante melhoria individual, de aprimoramento infinito das várias funções laborais. Dessa filosofia já nem uma ténue ideia resta na sociedade concreta que experimentamos. Como escrevi há dois parágrafos atrás, o trabalhador é apenas uma peça e uma peça não pensa, nem tem sentimentos.