Donald Trump tem setenta anos de vida. Durante os últimos quarenta anos, pelo menos, foi uma estrela americana. Não me refiro à estrela no passeio da fama de Hollywood com o seu nome. Não, refiro-me à identificação que sempre existiu entre a sua pessoa e aquilo que a América é e aquilo que a América representa.
O arranha-céus de Donald Trump, chamado de Torre Trump, é considerado como um símbolo do sonho americano, um símbolo do estilo de vida americano, um símbolo do sucesso e um símbolo do capitalismo. Trump, o self made billionaire, que de self made não tinha nada, era entrevistado por todos — todos queriam descobrir o seu segredo para o sucesso — e pontificava em todos os programas de todos os canais.
Durante os últimos quarenta anos ninguém foi capaz de apontar o dedo a Donald Trump, nem àquilo que Donald Trump representa. Nem que era um depravado, nem que era um malcriado, nem que era um xenófobo ou racista, nem que não olhava a meios para atingir os seus fins, nem... nada.
Trump, o símbolo, era isso mesmo, como uma luz que encandeava a vista de quem quer que para ele dirigisse o olhar. Quase todos elogiavam a audácia do homem, o seu saber fazer, o seu saber mandar. Quase todos queriam seguir o seu exemplo. Quase todos queriam ser como ele. No “quase todos”, incluo a maioria dos americanos, dos emigrantes, dos integrantes de minorias étnicas ou sociais, uma boa parte da Europa, a direita, os capitalistas, os liberais.
A abjeção de programa de entretenimento que Trump criou, o reality show The Apprentice, bateu máximos de audiência ao longo das suas catorze temporadas. Também aqui, as pessoas adoravam Trump, rejubilando a cada “You're fired!”. Durante quarenta anos, “Trump” e “América” foram palavras sinónimas.
É interessante verificar como quase todos, os mesmos “quase todos” dos parágrafos pretéritos, parecem ter invertido a sua opinião relativamente ao homem, de tal modo que na maioria dos círculos mediáticos nem sequer há lugar a discussão. Devemos desconfiar sempre de todos aqueles que mudam de opinião do dia para a noite.
É nesta conjuntura que Trump aparece nestas eleições como o candidato antissistema. E é notável que alguém totalmente ligado ao sistema, alguém que é um claro produto do sistema, alguém que é um conservador puro, como Trump o é, tenha conseguido tal denominação.
Por mim, não consigo observar estas eleições americanas com o dramatismo que a comunicação social as está a vender. De acordo, se Trump vencer teremos um ser humano perigoso no “poder” americano, mas não mais perigoso do que a alternativa Hillary Clinton. Trump é simplesmente mais rude, mais verbal e menos hipócrita. Seguramente, não teremos menos guerra, menos expansionismo, menos condicionamento económico e político sobre os povos com Clinton do que com Trump. Quem advoga o contrário está rotundamente equivocado. Aliás, basta observar a total ausência de diferenças substantivas entre as políticas de Bush e Obama.
Por outro lado, só quem anda distraído é que acredita que o Presidente dos Estados Unidos da América manda alguma coisa sobre as grandes diretivas do país. Quem manda é quem sempre mandou. Quem manda são as corporações. Quem tem uma palavra a dizer é a burguesia.
Para mim, Trump é o que sempre foi, isto é, uma escória da humanidade, um produto deste sistema selvagem a que se chama de capitalismo. Discordo dele visceralmente. Mas o que me faz discordar dele sempre existiu. Os princípios e o caráter de Trump não nasceram ontem com a sua candidatura à Casa Branca. Por isso, esta mudança de opinião relativamente a Trump operada nas massas tem muito de falso, sobretudo quando a comparação é... Hillary Clinton, farinha feminina do mesmo saco político de Trump. Por ventura, para a maioria das pessoas, a política será uma mera questão de formalismo e não de substância.
De notar ainda o patético apelo ao voto feminino por parte de Hillary Clinton. Obama também o fez, por duas vezes, relativamente ao eleitorado afro-americano. A política americana está reduzida a esta fantochada. A este propósito, relembro as sábias palavras de Susan Sarandon: “Não voto com a minha vagina”.