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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

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Janeiro mostra a verdadeira face do sistema

O mês de janeiro mostra a verdadeira face do sistema, para quem a quiser ver. Os pequenos aumentos salariais veem-se, afinal, abafados pelos generalizados aumentos dos custos dos bens essenciais.

 

É por isto que tantas vezes insisto neste ponto: fazer de pequenas conquistas bandeiras é fatalmente inútil. De pouco vale um aumento de 5% no salário se o custo de vida aumentar 10%. Não deixa de ser uma conquista, bem entendido. Mas também não deixa de ser uma derrota no combate maior por uma distribuição de riqueza mais justa. Todas as medidas têm que ser compreendidas comparativamente nesse contexto económico maior. E não isoladamente.

publicado às 21:06

O segredo é a alma do negócio

Acho que quem defende os milionários vencimentos dos chamados “gestores de topo” deve imaginar que estes indivíduos defecam pequenas esferas de ouro maciço. De facto, é precisamente essa a ideia que resulta das conversas de café que vou tendo.

 

https://wellexaminedlife.files.wordpress.com/2013/11/capitalism-cartoonweb.jpg

 

Digamos que o segredo é a alma do negócio e o artista nunca deve revelar os seus truques. Se as pessoas parassem um pouco para pensar no que realmente estes “gestores de topo” têm que fazer e se soubessem o que realmente fazem, o que é outra história, talvez perdessem estas noções imbecis que se lhes metem na cabeça. Se calhar, percebiam que eles mais não são que meros moços de recados ao mais alto nível e que, para tal, não fazem uso de qualquer formação especial.

 

A sua mentalidade, o quadro mental e de valores, é, com efeito, o pior inimigo do povo.

publicado às 20:35

O problema da sociedade, segundo Stephen Hawking

No dia oito de agosto de dois mil e quinze o cientista Stephen Hawking deu uma entrevista ao site reddit.com onde respondeu a várias perguntas que lhe foram colocadas. Numa delas, Hawking é confrontado com a possibilidade de a crescente automatização dos meios de produção poder colocar em causa o lugar do ser humano na sociedade dando lugar a um desemprego massivo. A sua resposta é simplesmente brilhante:

 

Se as máquinas produzirem tudo de que precisamos, o resultado vai depender de como as coisas são distribuídas. Todos podem desfrutar de uma vida de luxuoso lazer se a riqueza produzida pelas máquinas for compartilhada. Ou a maioria das pessoas pode acabar miseravelmente pobre se os donos das máquinas se se posicionarem com sucesso contra a redistribuição da riqueza. Até agora, a tendência parece apontar para a segunda opção, com a tecnologia conduzindo para uma desigualdade cada vez maior.

 

Para Hawking o problema não são as máquinas, o problema é o sistema de redistribuição de riqueza. O problema, se lhe quisermos dar um nome, chama-se capitalismo.

 

Já tinha escrito algo do género aqui no blog: se pensarmos na evolução industrial, na história dos meios de produção, nunca como hoje os custos foram tão baixos e os proveitos tão elevados. Isto é algo de indesmentível. Não obstante alguns ganhos significativos para os povos, sobretudo os do ocidente, é igualmente claro que esses ganhos são irrisórios se comparados com os ganhos da burguesia em todo o processo.

 

O problema está aqui, na distribuição da riqueza.  Hawking não foi o primeiro cientista a dizê-lo. Todavia, acho que não é necessário um cientista para o perceber.

 

http://www.newstatesman.com/sites/default/files/styles/nodeimage/public/blogs_2015/01/shcrop1.jpg?itok=gm7KSYFY

 

publicado às 18:39

Isto é o capitalismo

Pela primeira vez na história, a do Homem moderno pelo menos, apenas um ponto percentual da população do planeta detém tanta riqueza como os restantes noventa e nove por cento. Esta é a principal conclusão de um estudo de uma organização não-governamental britânica, Oxfam, que se baseia em dados do banco Credit Suisse relativos a outubro do ano passado.

http://www.taghribnews.com/images/docs/000066/n00066586-b.jpg

Aqui não interessa se a razão que reflete a distribuição da riqueza é exatamente esta ou é ligeiramente diferente. O que interessa é o caminho que estamos a percorrer, para onde nos dirigimos enquanto humanidade e se concordamos com o caminho. E não importa ficar muito chocado com a natureza dramática dos dados e simultaneamente manter a mesma fé cega no sistema que nos trouxe até este ponto.

 

Isto é o capitalismo. Isto é o capitalismo num estado avançado e, portanto, decadente. Porque o capitalismo não converge para nenhum equilíbrio são: o capitalismo tende apenas para o extremar da concentração da riqueza, das desigualdades e da condição das classes sociais.

 

Por vezes parece que não é assim, parece que o capitalismo cresce crescimento e melhoria das condições de vida. A ilusão resulta apenas das barreiras físicas entre as populações que não se veem, que não se cheiram, que não têm sensibilidade para notar que, a quilómetros de distância, outros sofrem e definham para que eles possam viver melhor.

 

Mas mesmo esse efeito, essa sensação de crescimento, é sempre passageiro porque o capitalismo trata de continuar a concentrar a riqueza nos bolsos de cada vez menos pessoas, como uma praga que se move de um sítio para o outro, continuamente, até extinguir todos os recursos.

publicado às 09:38

Testemunho

http://www.mymanlyblog.com/wp-content/uploads/2015/03/pen-and-paper.jpg

“Eu e a minha companheira somos professores. Todos os dias levantamo-nos às seis horas da manhã para começarmos a trabalhar às oito e um quarto. E todos os dias, antes das oito e um quarto, temos que colocar a impressão digital naquele aparelho cinzento-escuro, quase preto, com um díodo que emite uma luz vermelha como um laser. É o “picar o ponto” dos tempos modernos. Ela vai para a escola dela e eu vou para a minha. Só nos voltamos a ver depois das oito da noite.

 

Trabalhamos a recibos-verdes, ao minuto. Não é à hora. É ao minuto. Eles contam os minutos de aulas ou formação, porque aquilo que eu dou agora chama-se de formação. E quando vou ao quarto de banho não é formação nem direito. Não recebo quando vou ao quarto de banho, nem quando me desloco de uma escola para a outra. Sim, porque também não dou aulas apenas numa escola.

 

O que ganhamos não é mau. Não é mau quando comparamos com o salário mínimo. Mas depois há que colocar algum de lado para a segurança social, todos os meses. Ah: e também para o IRS. É melhor colocar algum de lado para o IRS se não para o ano a pancada será forte demais. Este ano que passou tive que pedir dinheiro aos meus pais. Para o ano quero ver se não peço. Mas o mês ainda não acabou e eu já ando de bolsos vazios... O que a gente ganha é muito mau. O que a gente ganha é uma merda.

 

Mas não é por isto que escrevo. Escrevo pelo que referi no início. Todos os dias eu e a minha companheira levantamo-nos às seis e meia da manhã, despedimo-nos às oito da manhã e só nos voltamos a ver depois das oito da noite. Tentamos ir para a cama às onze, tentamos dormir. Durante o fim-de-semana trabalhamos um pouco mais, pelo menos uma manhã ou uma tarde, para ganhar uns euros mais. No restante vamos fazer as compras da semana e tentamos limpar a casa que mal nos vê, que mal vemos. Tenho saudades de a abraçar e de lhe dizer que a amo. Digo-o todos os dias, mas não o digo com cabeça. Digo-o de cor porque ando cansado e ela ouve-me e sorri de cor porque também ela anda cansada. Tenho saudades de sentir os beijos que lhe dou.

 

Dá-me vontade de rir quando se fala em falta de natalidade em Portugal. Eu e a minha companheira trabalhamos os dois das oito da manhã até às oito da noite e não somos ricos o suficiente para o luxo de termos um filho que seja. Mas mais do que isso, mais do que o dinheiro que custa ter um filho, não temos tempo. Não temos tempo para nos amarmos, não temos energia. E se assim é, como poderemos ter tempo para amar um filho? Como poderemos ter tempo para o criar, para o educar?

 

Quando se fala em falta de natalidade em Portugal dá-me vontade de chorar. Porque nós não somos um caso isolado. Não somos a exceção à regra. Nós somos a regra neste país. E todos nós, a minha geração, a nossa geração, aceitamos estas políticas, esta distribuição de riqueza e de tempo, porque o tempo também é riqueza.

 

Até quando?

 

Quando esse dia chegar espero não me ter esquecido do sentido das palavras e voltar a sentir “meu amor” cada vez que lhe digo “meu amor”. Espero poder envolvê-la no meu abraço e senti-la comigo e não noutro lado qualquer. Espero que esse dia chegue a tempo de termos um filho como um homem e uma mulher devem ter um filho e não como dois animais que procriam apenas porque lhes dá a vontade. Espero que chegue a tempo esse dia, antes de ser velho demais e ela velha demais, antes de sermos cadáveres. Se não chegar a tempo, ficará para a próxima vida, ficará para a eternidade o beijo e o abraço que deixei de lhe dar, o sorriso e o olhar que deixei de receber. Ficará para sempre o “meu amor” que tão poucas vezes lhe disse ao ouvido.”

publicado às 11:16

Vida de cão

Há pessoas que gastam dinheiro para comprar canais de televisão cujo único objetivo é entreter os cães que deixam em casa, nos apartamentos.

 

Há pessoas que fazem outras coisas por ventura mais ridículas.

 

Isto diz muito sobre a forma como a riqueza é distribuída pelas pessoas do planeta.

 

Isto (também) é capitalismo.

 

https://wordsandtoons.files.wordpress.com/2009/09/fruit-bats-promo.jpg

 

publicado às 09:44

Subsídio para os trabalhadores mais pobres

O PS ainda não disse verdadeiramente nada sobre o que quer que seja. O seu líder com nada se compromete. Limita-se a dançar, bonacheirão, pelas ocorrências do dia-a-dia, na esperança que o poder lhe caia graciosamente no colo, como tem sido norma no Portugal que se seguiu ao vinte e cinco de abril. O povo alterna porque sim. Também não se percebe muito bem porquê, se não porque nutre apreço pela promíscua dança.

 

Ontem, semearam nos meios de comunicação esta hipotética proposta do PS de criação de um subsídio para os trabalhadores mais pobres, aqueles que, mesmo trabalhando, empobrecem sempre. Semearam para preparar a sociedade, para colher o feedback gerado por tal medida.

 

Esta hipotética medida merece ser discutida pela sua singular simbologia.

 

Conceder um subsídio à classe trabalhadora mais pobre constitui uma medida de relevância, não apenas no que à mais elementar justiça social e económica diz respeito, mas também no que concerne o estimular da economia pela via do consumo interno, algo fortemente mutilado nestes anos de depressão e de austeridade.

 

Levantam-se aqui, contudo, duas questões.

 

Primeiro, no que à geração dos recursos para dotar esse subsídio diz respeito, prevê-se que o capital seja angariado dos impostos pagos por todos e, portanto, maioritariamente pelos trabalhadores por conta de outrem e individuais. Torna-se claro que este subsídio para os mais pobres tornará os remediados e os menos pobres, a fustigada classe média entenda-se, mais pobre. Esta ideia não parece ser muito animadora... não parece ser justa.

 

Em segundo lugar, levanta-se uma não menos importante questão de princípio. Se o subsídio é criado para corrigir uma assimetria grave no tecido social, um desequilíbrio grosseiro na distribuição da riqueza produzida, pois então deveria ser obrigatoriamente acompanhado de um pacote de medidas legislativas que visassem a correção estrutural desse desequilíbrio. Sem tais medidas (aumento do salário mínimo, regulação do mercado de trabalho, fim dos falsos recibos verdes, fiscalização efetiva das relações laborais) este subsídio resulta também num prémio para todas as entidades patronais que pagam tais avenças miseráveis, na medida em que torna os seus trabalhadores mais motivados, menos reivindicativos e permite perpetuar o sistema e quiça diminuir ainda um pouco mais as retribuições pagas.

 

Esta hipotética medida é paradigmática do que não é esquerda, mas do que, não obstante, muitos julgam ser esquerda, visto não promover uma equilibrada distribuição de riqueza. Antes pelo contrário.

publicado às 10:26

O sistema social europeu e o aumento do salário mínimo nacional

O surgimento do sistema social europeu, chamemos-lhe assim, é mais complexo do que aquela ideia normalmente veiculada de uma geração mais ou menos espontânea. Um conjunto de líderes europeus, na ressaca dos regimes de índole fascista finados com o epílogo da segunda grande guerra, arquitetaram um sistema de garantias sociais que fosse capaz, por si, de manter sob controlo as camadas mais desfavorecidas da população e evitasse, assim, a repetição da história. Esta narrativa, até certo ponto verdadeira, carece de autenticidade e, até mesmo, de genuinidade.

 

Em boa verdade, o tal sistema social é pensado em claro contraponto ao regime social que dava plenos passos, então, nas sociedades socialistas de leste europeu. É que, naquela altura, uma parte substancial do povo ouvia as notícias dos viajantes que chegavam, dos marinheiros que aportavam dos barcos vindos do oriente europeu e, ainda que contra as pregações conservadoras locais, imaginavam sociedades onde todas as necessidades básicas eram garantidas. Ouviam e imaginavam: educação, pão, saúde, habitação, cultura. Tudo isto, num contexto de ausência total ou parcial de satisfação destas necessidades. E é neste sentido, e não noutro, que o estado social europeu foi erguido, não tanto para combater o regresso dos regimes fascistas mas sobretudo para combater a ascensão, naquela altura galopante, do comunismo na Europa. Seguramente que não encontramos qualquer coincidência entre as datas do fim do bloco de leste e do início imediato do desmantelamento do estado social europeu consubstanciado nas políticas de austeridade, crise após crise, e na destruição das suas estruturas de financiamento.

 

Importa, neste ponto, chamar a atenção para um pormenor fundamental da engenharia do sistema social europeu: a solidariedade. Com efeito, este é um sistema solidário e que, tendo em consideração, ainda que de forma implícita, o conceito de luta de classes, mobilizava o capital das classes dominantes para sustentar as necessidades das classes mais desfavorecidas, nomeadamente as trabalhadoras. O estado social europeu assumia-se, assim, como uma forma ativa de redistribuição da riqueza e de equilíbrio económico.

 

E é neste contexto que tem que ser analisado e entendido o recente acordo pelo aumento do salário mínimo nacional. O aumento nominal, em si próprio, peca apenas por ser escasso. O valor do salário mínimo deveria ser aquele que, na justa quantidade, permitisse a um cidadão viver dignamente, no âmbito dos seus diversos domínios, na sociedade em que se insere. Mas este aumento não só é insuficiente neste contexto como se apresenta como uma clara subversão do conceito. Efetivamente, a troco deste pequeno aumento o estado concede às classes acumuladoras de capital uma substancial redução na taxa social única, leia-se uma diminuição efetiva das contribuições solidárias para o sistema por parte das classes patronais. Isto quer dizer que este aumento já não se traduz numa mobilização de capital interclasses, no sentido do equilíbrio e da justiça económica e social, mas antes o contrário com o sistema social a passar a ser cada vez mais sustentado pelos próprios destinatários ficando estes com rendimentos cada vez mais reduzidos e pondo em causa a sustentabilidade do próprio sistema.

 

Desde sempre que as classes dominantes se opuseram a qualquer aumento do salário mínimo. Desde sempre e pelas razões óbvias de manutenção do poder. Não deixa de ser irónico que essas mesmas classes encontraram num aumento simbólico do salário mínimo todo o dinamite necessário para implodir o sistema social solidário português.

publicado às 20:04

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