Que a palavra de certos políticos vale zero, que são mentirosos, intrujões, sem caráter e sem escrúpulos. O que aconteceu foi tenebroso. Desde as mentiras descaradas ao povo sobre as “boas contas” à inversão da palavra dada num par de dias, particularmente a quem usa da palavra para influenciar as populações e liderar o país é desprezível. Termos o país entregue a seres humanos tão reles como estes é dramático.
Que PS, PSD e CDS — reflexo da sociedade que os elege — não têm um pingo de respeito pelos professores e que, com isto, quer queiramos quer não, moldam o tipo de homens e de mulheres que teremos na sociedade de amanhã.
Que BE e PCP, tendo sido coerentes em todo o processo, não conseguem esconder o alívio pela mudança de posição de CDS e PSD e por não terem que enfrentar eleições antecipadas neste momento.
A dialética sempre foi, desde a antiguidade clássica, uma disciplina estrutural para se ilustrar os cidadãos. A capacidade de bem falar, de argumentar, de defender uma posição, de seduzir o auditório e o próprio opositor, de ganhar uma disputa através da palavra, era vista como uma ferramenta essencial para o Homem, visto pelos gregos como um animal eminentemente político.
Quer-me parecer que temos demasiado disto nos dias que correm. Temos demasiada dialética, demasiada palavra e pouca ação. Demasiada justificação do injustificável. No rescaldo desta crise política, o que se me afigura é uma superlativa falta de coragem, sobretudo a quem importava que tivesse alguma coragem. Perante a ameaça de eleições antecipadas de Costa, do alto da sua posição privilegiada que as sondagens lhe parecem conferir, o parlamento estremeceu de medo, desde a direita até à esquerda. Ninguém enfrentou as ameaças de Costa com força de caráter, com inabalável convicção. Ninguém. Todos tremeram de uma ponta à outra.
BE e PCP temem pelo fim de um mísero poder que ninguém sabe muito bem quanto vale exatamente, mas que já toda a gente adivinha que o que vale é muito pouco. Tremem os dois como verdes varas. Dizem que ainda há muito a fazer. Mas quem pensam eles que enganam? Se ainda havia alguma coisa a fazer ou a conquistar a este governo burguês, sempre de mãos dadas com o poder económico, com o resultado desta crise deixou de haver. Aliás, para sermos mais rigorosos, depois da aprovação do derradeiro orçamento de estado, última oportunidade perdida para a esquerda poder afirmar as suas posições, já não restava grande coisa a fazer. Escrevi-o aqui várias vezes e repito-o.
Falta muita coragem, sobretudo a quem era importante que tivesse coragem, entenda-se: BE e PCP. E isto é algo que até um cão vadio fareja à distância mais depressa do que a um pedaço de toucinho gorduroso esquecido na soleira da porta de um talho. E é um funesto presságio para as eleições que aí vêm.
Jornalista TVI: Alguma vez se arrependeu de ter entrado neste acordo?
Jerónimo de Sousa: Não, nós entrámos com convicção, determinação e seriedade. Sabíamos das diferenças, das divergências, mas não estávamos dispostos a que PSD e CDS continuassem no governo a dar cabo do resto e, simultaneamente, sabendo dessas diferenças, pensamos que era abrir uma janela de esperança àquilo que os portugueses ansiavam (...).
in reportagem da TVI, Jornal das 8,
2 de setembro de 2016
O Jerónimo não tem particulares dotes oratórios ou qualidades dialéticas. O Jerónimo não tem um curso superior ou destreza especial em artes cénicas. O Jerónimo não tem respostas ensaiadas. O que diz sai-lhe com naturalidade e com franqueza, sai-lhe do coração.
Compare-se a resposta que deu, face à pergunta da jornalista da TVI, com o já célebre clichê de Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, “Arrependo-me todos os dias”. Aqui subjaz a diferença entre um e outro partido. Não é uma diferença de estilo. É uma diferença de integridade, convicção e seriedade políticas.
Whatever I have accepted until now as most true has come to me through my senses. But occasionally I have found that they have deceived me, and it is unwise to trust completely those who have deceived us even once.
O que quer que tenha aceite até agora como absolutamente verdadeiro chegou até mim através dos meus [órgãos dos] sentidos. Mas, ocasionalmente, cheguei à conclusão de que eles me iludiram, e que não é prudente confiar completamente no que nos iludiu nem que seja uma só vez.
— René Descartes, in First Meditation: On what can be called into doubt [Primeira Meditação: Sobre o que pode ser objeto de dúvida], 1639.
Felizmente o “não” venceu o referendo. Caso assim não tivesse sido, todo o movimento anti-imperialista teria sofrido uma derrota dramática. Por isso repito: felizmente o “não” venceu. A jogada política ousada e, diga-se, completamente demente do Syriza acabou por dar resultado. Mas não vale a pena insistir no que já passou. Vale a pena olhar para o caminho que falta calcorrear. Esse caminho, contudo, apresenta-se árduo e incerto.
Após a vitória no referendo, foi anunciada, qual murro no estômago, a demissão do ministro das finanças grego Yanis Varoufakis. A incredulidade pela decisão apenas se vê suplantada pela ainda mais espantosa justificação para o ato: Varoufakis tomou a decisão com base numa pressão exercida pelos parceiros negociais europeus.
Visto pelo prisma que se quiser, esta decisão é de todo em todo repugnante. Ingerência direta inter-nações soberanas, covardia política do próprio, cedência vergonhosa do Syriza aos interesses do capital, e mais, mais, muito mais. Escolha-se o que se quiser: qualquer opção terá tanto de repulsivo quanto de desilusão.
O Syriza parece ter uma prontidão desconcertante para fugir às responsabilidades que o seu povo lhe coloca. Da primeira vez que venceu as eleições, saiu de cena tão depressa quanto ascendeu ao poder. Agora parece estar à procura de um pretexto para saltar fora do barco, um pretexto que lhe permita sair de cena de mãos lavadas, mas de consciência suja. Para mal dos seus pecados, o povo grego mostra ser dono de uma coragem de ferro, de uma vontade de aço, e obriga o Syriza a continuar a lutar. O povo grego é, com efeito, a única e derradeira esperança da Grécia.