Dominação ideológica de classe
video: youtube | Clóvis de Barros Filho
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video: youtube | Clóvis de Barros Filho
Acho piada à tempestade que se levantou a propósito da possível taxação de imóveis de mais de quinhentos mil euros. Acho piada, simplesmente. É engraçado ver quem nada tem cantando em uníssono com quem tem propriedades de mais de quinhentos mil euros. Repito: mais de quinhentos mil euros. O governo até já veio dizer que não são quinhentos mil, é um milhão! Ou o povo não tem noção dos números, ou não tem noção do valor das propriedades, ou — o que é mais provável — não tem noção da sua condição, “fazendo-se” de rico como é seu gosto e usual timbre.
No mais, observamos o cair das máscaras a tantos e tantos que não contêm a sua indignação, manifestando-a com a mais autêntica boçalidade. Falam em “classe média”, metem agregados ao barulho, extraem esqueletos dos armários como “bolchevismo” ou outros que tais e, no fim de contas, revelam-se. Revelam os seus conceitos, revelam a quem servem e a quem, com a sua ação profissional, protegem. É esclarecedor. Não é surpreendente.
O único disparate no meio disto tudo não está na putativa medida per se, mas na forma como a mesma foi lançada na sociedade. Não pode um governo que seja verdadeiramente digno desse epíteto ver uma sua medida anunciada por antecipação por um qualquer partido com assento parlamentar. Que o Bloco de Esquerda não tem qualquer noção ou sentido da coisa política, não é novidade. O Bloco dá o corpo por qualquer promessa de publicidade. Que o PS e, particularmente, o governo sejam apanhados nesta armadilha é confrangedor para dizer o mínimo.
Com este desenvolvimento, o Bloco assume-se como um membro fantasma deste governo — não há volta a dar à questão. Veremos se estará à altura de assumir as responsabilidades desse posicionamento quando estas se venham a justificar. Por seu turno, o governo fragiliza a sua posição em toda a linha colocando-se ao alcance do enxovalho fácil por parte de toda a direita.
Um dia, um Professor disse-me algo a que recorro sempre que me sinto triste com esta inércia que governa o mundo e as sociedades humanas. Refiro-me ao que parecem ser as inevitabilidades do mundo. Refiro-me àquelas regras não demonstráveis inspiradas numa espécie de empirismo prático, ditadas pelos professores medíocres e copiadas pelos estudantes-ovelha, sem suscitarem uma pergunta que seja.
Muitas vezes, parece que nada transformará esta velha engrenagem, parece que os povos estão tão identificados com esta estratificação social que ela valerá para sempre. Não faz sentido pensar assim, há exemplos suficientes que mostram que é possível pensar as relações sociais de forma diferente, não interessa a difamação de que ainda hoje são alvo.
Mas, apesar de tudo, há dias que me apanham triste, deprimido com esta inércia. Então lembro-me do Professor de quem falava logo na primeira linha deste texto. Ele dizia: “As relações sociais são como uma bomba atómica. A bomba atómica é estruturalmente muito estável. Só que um pequeno distúrbio na sua estrutura gera uma explosão gigantesca. As relações sociais são iguais. Tudo parece ser de natureza perene e imutável. Todavia, de um momento para o outro, dá-se uma explosão, basta um pequeno distúrbio, que depressa se desmultiplica de modo exponencial, e tudo muda.”
É a esta ideia que me agarro. É esta ideia que me dá esperança no amanhã que virá.
O que é preciso para se ser nomeado conselheiro cultural do Presidente da República Portuguesa? Mais: o que é necessário para se ser subdiretor e diretor da Cinemateca Portuguesa? É melhor ficar por aqui. Podia continuar, tanto para norte como para oeste, mas não quero. Havia muito mais para escrever.
Ainda hoje, os meninos aprendem no sexto ano da sua escolaridade devida — e repetem — que os governos liberais do século XIX procuraram acabar com a sociedade de classes e colocar todos os homens iguais perante a lei. Que tamanha treta! Pois a única coisa que lograram foi a promoção de uma classe acima de todas as outras — a burguesia —, classe essa que via a sua ascensão amarrada por minudências como o sangue ou a tradição. Por outras palavras, estabeleceram as bases para que o poder do dinheiro pudesse substituir os poderes feudais instalados e cristalizados.
Agora... sociedade sem classes? Contem outra! E, já agora, reescrevam a História. É que, simplesmente, não tem lógica nenhuma.
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