Sou um apaixonado pela ficção científica. Adoro o género. Nos últimos tempos vi no “grande ecrã” o Interstellar. Acorri o mais depressa que pude, ávido pela viagem ao futuro que me prometia e carregado de esperanças pelo que ia ouvindo dizer sobre o filme. Inclusivamente, ouvi elogios diretamente do programa A Última Fronteira da RTP 1. Elogios sobre a qualidade científica da película ou sobre os muitos aspetos inovadores. Foi grande a minha desilusão.
Nota prévia: seguem-se pequenos spoilers.
O filme tem um e um só ponto positivo: a qualidade e a beleza das imagens e não apenas relativamente aos dois grandes protagonistas. Refiro-me, obviamente, aos dois buracos, o worm e o negro. Todo o filme é visualmente impecável. E ficamos por aqui em termos de aspetos positivos (a banda sonora não é má de todo, embora não esteja à altura da imagem).
Antes de passar a enumerar os muitos aspetos negativos do filme, convém, em jeito de declaração de interesses, atestar aqui o que para mim é um bom filme de ficção científica. Este género cinemático deve cumprir dois objetivos básicos: preencher o vazio existente nos paradigmas científicos e fornecer combustível à imaginação do ser humano, no que ao futuro diz respeito. Claro que esta minha opinião não é consensual. Há quem pense, por exemplo, que o género deve-se limitar a retratar fielmente o estado da arte da ciência e da tecnologia.
Posto isto, impõe-se dizer que o filme Interstellar não faz nada disto. No que à ciência se refere, é um desastre, porque em nada inova. Todos os conceitos utilizados no filme são completamente batidos no género e não há absolutamente nenhuma explicação mais profunda sobre os temas: como se processam as viagens espaciais em termos de energia e velocidade; como funciona o processo de hibernação criogénica; como o ser humano consegue controlar o buraco worm e usá-lo para viajar no espaço-tempo. Nada disto é aprofundado em termos de ciência. Pelo contrário, aparecem como dados adquiridos.
Depois de atravessar o buraco worm há outras coisas mais ou menos difíceis de engolir. Os aventureiros deparam-se com um sistema de três planetas potencialmente habitáveis orbitando em torno de um buraco negro. Aqui começa o problema: de onde surgiria o calor e a luz para potenciar a existência de vida nesses planetas? O buraco negro possuía um disco iluminado que, contudo, não poderia cumprir a função de uma estrela. Esse disco é retratado como estático, mas na verdade é giratório. Mais tarde, uma nave é sugada para o buraco negro e trespassa o disco o que devia resultar na sua inceneração instantânea, o que não acontece. Por outro lado, a existência de planetas com potencialidade para a espécie humana é altamente improvável, pois aqueles planetas deveriam ser constantemente abalroados por objetos sendo sugados pelo buraco negro à velocidade da luz.
A existência do primeiro planeta é também altamente questionável, dado a sua proximidade relativamente ao buraco negro e às forças massivas exercidas. O que também é extraordinário é imaginar como aquela nave que necessitou de tanta energia para ser lançada da superfície da terra, fez o mesmo com tanta facilidade, sem o auxílio de módulos, num planeta com 130% da gravidade terrestre. Antes disso, podemos apenas imaginar aquela nave como construída com um material extraordinariamente resistente, pois aquelas ondas gigantes teriam, obrigatoriamente, que a danificar seriamente.
Estes são apenas alguns dos aspetos que mais me chocaram, sobretudo num filme tão caracterizado como cientificamente revolucionário. Podia dizer mais e ainda especular outros, mas fico-me por aqui.
Fico-me por aqui, neste domínio, porque para mim o que é realmente triste é a mediocridade da história, da qual apenas achei interessante a menção à encenação dos programas Apolo do século passado. É que tudo é dado como adquirido e não há o mínimo de reflexão filosófica sobre as coisas. A Terra está condenada. Porquê? Que erros foram cometidos? O que se fez para que não se voltem a repetir? É que, segundo o filme, a espécie humana está condenada a ser uma espécie de praga do universo, porque uma vez descoberto o segredo para se poder transportar de um lado para o outro, replicarão os mesmos processos que conduziram ao esgotamento dos recursos da Terra. Mas nada é dito em concreto. A história é tão oca e tão fútil...
Depois, há aquele melodramatismo nojento que está tão profundamente espalhado ao longo do filme como um perfume barato de senhora. Concedo que tenha que existir algum, mas ele é tanto, tanto, tanto... Depois de visto o filme compreende-se bem a sua existência. É um velho truque de ilusionismo: quando se quer desviar a atenção de uma coisa, chama-se atenção para outra. Assim, o público não percebe tão bem a falta de substância da película, porque fica muito sensibilizado com aqueles dramas humanos tristíssimos, evidenciados na choradeira copiosa, do primeiro ao último minuto daquelas penosas três horas de filme, de cada um dos personagens. É horrível.
Pelo meio, há momentos vários que procuram fazer uma ligação com outros filmes de ficção científica. A referência ao relógio é uma procura descarada em colar este filme ao Contacto, até mesmo pelos personagens representados pelo mesmo ator. E os absolutamente ridículos robôs devem ser referências ao tempo onde não havia capacidade tecnológica para bons adereços em filmes deste género. A mim fez-me lembrar os episódios da série Star Trek.
Para terminar em beleza, o filme tenta fazer uma ligação absolutamente arrepiante ao mundo exotérico. O personagem principal é, de forma completamente inexplicável, sugado através do buraco negro para um mundo a cinco dimensões onde se converte numa espécie de Fantasminha Gaspar e envia mensagens para a sua filha na Terra em diversos segmentos temporais do passado e do presente. Nessas mensagens é transmitida uma informação que ninguém percebe o que possa ser mas que permite, ao que é subentendido, subverter os princípios da gravidade na Terra. Depois, incrivelmente, o fantasma deixa de ser fantasma e retorna a um corpo de carne e osso teletransportado de volta para os anéis de Saturno, em pleno sistema solar. Numa palavra: incrível!
O filme tinha um evidente potencial mas, no fim de contas, resulta em (mais) um exercício de propaganda da NASA com pouco realismo, muito exibicionismo visual e sem qualquer ponta de profundidade e isto é o mais grave. Fez-me lembrar o Armageddon para pior. É triste que este filme seja incapaz de produzir uma centelha que seja de esperança no futuro da humanidade.