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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Desculpe, disse Luanda Leaks?

Acho que no passado não havia tanta hipocrisia. Está bem que havia a religião, poderosa, a justificar tudo o que fosse necessário, a condecorar os vencedores como humildes servos de Deus e a julgar os vencidos como hereges, infiéis e outros adjetivos que tais, independentemente do sangue que escorria das armas de ambos os lados. E a religião mais não era, bem entendido, que um pretexto escrito para fundamentar aquela nossa natureza abjeta de louvarmos os vencedores ao mesmo tempo que pisamos os vencidos.

 

Mas no fundo, bem lá no fundo..., não havia tanta hipocrisia no processo. Faziam-se as guerras e aos vencedores era dado tudo, todo o espólio, na mesma proporção em que aos vencidos tudo se retirava. Era a lei tácita que existia e era compreendida e aceite como natural por todos, com um maior ou menor florear da coisa.

 

Hoje a lei que vigora é exatamente a mesma mas há uma coisa que se junta à mistura e que confunde as ideias. Vêm os jornais e os jornalistas, as televisões, as rádios e enchem-nos com teorias, tramas, provas, acusações e julgamentos e, de repente, já não se trata de uma coisa corriqueira, já não é a normal sucessão de poderes, parece que é mais do que isso, como que uma vontade de uma força superior, estado de direito, alta moralidade, coisa que tem que ser assim para que sejamos sérios e respeitáveis, disputa simplista mas superlativa do bem contra o mal. E aí, o pisotear os vencidos adquire uma outra razão de ser porque de vencidos já não trata a questão: os vencidos passam a ser um tipo de gente vil, gente que não presta e que deve ser amputada da sociedade porque infeta e apodrece como gangrena a gente boa, séria e respeitável.

 

É espirituoso assistir a episódios destes, dia após dia. As lutas pelo poder disputam-se no espaço mediático e parece que a lei tácita de que falava já não chega: é necessário convencer as massas. As narrativas que se tecem fazem tábua rasa do que foram os eventos do passado. Os padrinhos, que outrora os ergueram em braços, convertem-se em carrascos. São os mesmos e fazem-no de cara destapada e com moral elevada. E nós? Assistimos com curiosidade, como se não tivéssemos memória do dia de anteontem, e cremos piamente na supremacia de um certo ideal de moralidade, de seriedade, de bem e de justiça. Dormimos bem à noite, assim. Bons sonhos!

publicado às 13:24

Cortando os fios de fantoche

Aconselho a leitura do excelente artigo do historiador luso-angolano Carlos Pacheco, no Público, a propósito da situação angolana. A sapiência não se traduz em apontar o óbvio. A sapiência reside na capacidade em observar para além das entrelinhas. Só desse modo seremos capazes de cortar os fios com que nos manietam.

http://orig11.deviantart.net/5969/f/2008/143/b/9/i_am_not_your_puppet_by_straightgunner.jpg

 

publicado às 22:29

Quando consideramos que os fins justificam os meios

Será que não é simplesmente o facto de desconsiderarmos e rejeitarmos o governo angolano o que nos faz considerar injustas as condenações e penas aplicadas a Luaty Beirão e seus companheiros? Não será esse o derradeiro argumento que nos faz tomar posição?

 

Imaginemos a situação com diferentes intervenientes. Imaginemos... ainda que por um efémero momento. Será que assumiríamos as mesmas posições? Neste particular, erijo sérias dúvidas.

 

O que resulta de toda esta situação não é mais do que o diagnóstico cabal a uma certa forma que as sociedades ocidentais adotam para encarar os problemas e que poderia ser descrita à custa do lema “Os fins justificam os meios”.

 

Porque consideramos válido o fim “Depor o governo angolano”, então consideramos legítimo todo e qualquer meio (ação) empregue nesse sentido. Este modus operandi, esta forma de entender as coisas, não deve ser entendido com a mesma leviandade com que é empregue, porque isso traduz-se numa sociedade sem lógica estrutural, com um conjunto de princípios tão plasticamente moldáveis aos interesses mais convenientes de terceiros que esvaziam rapidamente a nomenclatura.

 

Podemos discordar do governo angolano e até nutrir simpatia por todos aqueles que lutam, dentro e fora da lei, para depor tal governo. É uma prerrogativa de cada um. Outra coisa, diversa, é desculpabilizar todos os atos perpetrados nesse sentido e não aceitar as suas consequências.

 

O nosso mapa populacional ajuda a explicar esta febre de entendimento, estes julgamentos céleres, sobre o governo angolano. O que sobra, e é muito, é explicável recorrendo aos muitos interesses económicos em jogo. Sinceramente, gostava de poder olhar para este caso sem que estas duas realidades estivessem tão presentes. Gostava que o governo angolano fosse manifestamente pró-imperialista e que governasse um país pobre, de diferenças sociais crescentes e que não estivesse economicamente cada vez mais pujante. Gostava de poder ver nessas circunstâncias Luaty Beirão a lutar pela liberdade e pela democracia e, sobretudo, gostava de ver a cobertura mediática que Portugal lhe dedicaria.

 

Estou a lembrar-me, por exemplo, de um país do género da África do Sul, de que ninguém fala, e que, tendo entregue todas as suas riquezas a multinacionais americanas e europeias, atravessa uma crise económica, social, democrática e política sem precedentes. Também podia falar de outros países africanos: em boa verdade, qualquer um que escolhesse faria de Angola um exemplo de civilização e de progresso em toda a linha e, também, de liberdade e de democracia. Mas creio já ter vincado bem o meu ponto, bem como colocado a nu toda a hipocrisia que rodeia o tratamento mediático deste processo.

 

Acabo como comecei: façamos o exercício de imaginar a situação, segundo os factos de que temos conhecimento, mas com intervenientes diferentes. Se nenhuma modificação for suscitada no nosso entendimento, então prossigamos como antes.

publicado às 14:01

Luaty Beirão para além do óbvio

Demorei tempo demais a decidir-me em escrever algumas linhas sobre o caso Luaty Beirão que, nas últimas semanas, inundou a comunicação social. A minha demora deve-se, não o escondo, a sentimentos ambivalentes que este caso me sugere e, como é normal com sentimentos de natureza dupla, é mais difícil organizá-los no papel.

 

A primeira ideia que me vem à cabeça aponta para o grotesco, para o inadmissível, deste caso: em nenhum país do mundo deveria alguém ser encarcerado por aquilo que pensa ou acredita. Esta primeira ideia mantem-se forte e inabalável e, por isso mesmo, considero-a a mais digna para poder iniciar o meu discurso.

 

Todavia, há na natureza das ideias pioneiras, daqueles pensamentos que nos assaltam antes mesmo de nos debruçarmos pensativamente sobre os problemas, algo de ilusório e de perigosamente inocente. Com efeito, quando penso sobre este problema, deteto facilmente objetivos ocultos, não necessariamente por parte de Luaty Beirão, sobre o qual possuo aquele desconhecimento completo (que com quase todos os portugueses partilho) que é ideal para idolatrar e eternizar, mas claramente na parte maior que o envolve, na propaganda que rapidamente inundou os canais de um certo pensamento único de apoio ao jovem e de condenação do governo angolano. É que, bem vistas as coisas, o jovem foi preso, acusado e aguarda julgamento no contexto da lei angolana. Ao invés, pelo nosso Portugal temos visto inúmeros casos de cidadãos presos preventivamente sem formalização de acusação e sem julgamento marcado. É evidente que a greve de fome tem peso, tem um peso emotivo influenciador do nosso julgamento. Contudo, como nos podemos indignar com o formalismo de um caso e não nos indignarmos com o formalismo de outros casos que se passam mais perto de nós?

 

Por outro lado, parece-me claro que o caso Luaty Beirão foi um escape para aquela facção de portugueses que se posicionava do lado anti-MPLA no tempo da guerra civil e que, findada a mesma, deixou de ter uma justificação à mão de semear para dizer mal do que chamam “o regime angolano”. Por que razão não existe o mesmo alarido relativamente ao estado da democracia de Moçambique ou da Guiné, São Tomé ou Cabo Verde, para referir apenas nas nossas colónias? Em alguns casos, o paralelo político é muito semelhante. Existe apenas uma diferença: Angola é muito rica do ponto de vista dos seus recursos naturais e mexe com muitos interesses lusos. Talvez esteja aí a verdadeira razão de tanta indignação.

 

Com isto não estou a fazer a apologia do governo angolano nem tão pouco me colo às suas opções políticas, económicas ou sociais. Noto simplesmente a opção hipócrita patente em avaliar Angola por padrões europeus ao mesmo tempo que se ignora que Angola é o país africano que atualmente ocupa o topo de todos os rankings, de todos os indicadores de crescimento económico, de qualidade de vida, de crescimento social e, também, de índices democráticos... Ignorar isto e empregar o chavão de “democracia de papel” sobre Angola é, no mínimo, pouco sério.

publicado às 11:17

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