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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Será que um dia veremos Catarina Martins abraçada a Angela Merkel?

É uma questão legítima entre muitas outras que envolvem o Bloco de Esquerda e a “sua” ideologia. E eu, por simples curiosidade, gostava de saber a resposta.

 

A legitimidade da pergunta advém com propriedade da indefinição ideológica que caracteriza o Bloco de Esquerda e de uma prática que surpreende a teoria sempre que a “razão” — a do apelo das massas — o justifica.

 

Por vezes, parece que julgamos saber, parece que se forma uma ideia concreta do que é o Bloco e do que o Bloco quer, para logo de seguida o caminho iludir-nos e, no interior de uma espécie de bruma ideológica, perdermo-nos irremediavelmente, por tão pouco vislumbrarmos os próprios passos sob tamanho denso nevoeiro. Esta é a noção que eu, cidadão, tenho do Bloco de Esquerda, mas por ventura o problema residirá em mim, por ser exigente em imprudente porção.

 

Repito, portanto, a pergunta inicial: será que corremos o risco de um dia podermos ver Catarina Martins abraçada a Angela Merkel num qualquer dia que há de vir e que o futuro nos reserva?

 

A pergunta, como qualquer outra que pudesse ser feita, aliás, adivinha respostas diferentes mediante o apoiante do Bloco que, honesta e francamente, se dignar a responder à questão. Dependerá, como está claro, da “tendência” em que se inserir no seio do seu partido assim como da sua sensibilidade particular.

 

A pergunta, volto a ela, parece impossível — concordo. Quando soletro devagar as letras que compõem a interrogação parece que formam palavras que soam a absurdo.

 

O absurdo, todavia, é de uma natureza drasticamente precipitada. O absurdo é um rótulo para um frasco de conteúdo simultaneamente impetuoso, apressado e imprudente. O absurdo é uma espécie de gás instável que rapidamente se dissolve na atmosfera das areias do tempo.

 

O que diríamos se há dois ou três anos nos colocassem a hipótese de Alexis Tsipras abraçar Angela Merkel? Absurdo?

 

E o que diríamos se nos dissessem que o Syriza iria aprovar o seu segundo pacote de austeridade — escrevi bem, segundo! — sobre o povo grego? Absurdo?

 

http://i.dailymail.co.uk/i/pix/2015/06/26/08/29F7A86800000578-3139947-image-a-1_1435305203533.jpg

 

A pergunta inicial começa agora a soar menos absurda? Talvez...

 

É que foi o Bloco de Esquerda, por sua decisão — ao que se sabe, não forçada —, a colar-se politicamente e em tempo útil ao Syriza. Foi o Bloco de Esquerda e foram os seus dirigentes que participaram nos congressos do Syriza, que usaram da palavra nos seus comícios, envolveram-se nas suas campanhas eleitorais, que nos trouxeram a “boa nova” daquela “nova esquerda” que começava a efervescer a “velha Europa” e a “velha política” — fomos todos, em certa medida, contaminados por essa ideia —, que rejubilaram, enfim, com as vitórias do partido e que apoiaram a coligação do Syriza com a extrema direita nacionalista ANEL. Então, veio aquela fase do berreiro protagonizado por Tsipras e o seu então ministro das finanças Varoufakis perante a União Europeia que, igualmente, levou ao delírio a esquerda em geral.

 

O problema veio depois... O problema veio com a capitulação absoluta do Syriza face a todas as exigências do diretório de potências europeias, face a toda e cada uma das políticas de austeridade debitadas pelo imperialismo raivoso. A cada uma delas o Syriza acolheu e adotou como sua.

 

A partir daqui a palavra Syriza foi como que varrida do léxico do Bloco de Esquerda: banida da sua retórica argumentativa, renegada dos seus discursos. Nem uma palavra mais, nem de apoio, nem de repúdio.

 

Entretanto estabeleceram-se também parcerias político-económicas relevantes entre a Grécia, a Turquia e Israel, que incluíram trocas de juras de admiração e de amor eterno. Também neste ponto, e porque a questão dos direitos humanos é tão cara — e bem! — ao Bloco, gostaria de poder aprender com a sua opinião.

 

O exercício de clarificação é um, todavia, ao qual o Bloco de Esquerda se mostra frequentemente avesso. As chamadas “causas fraturantes” ou simplesmente alegóricas, como a do “cartão de cidadania”, concorrem para este desígnio do Bloco se esquivar a qualquer concretização sobre o que pensa.

 

Do silêncio do Bloco de Esquerda relativamente à questão Syriza legitimamente se deduz um incómodo pungente que a realidade Syriza pesa sobre a sua ação e sobre a sua retórica, por um lado, e, por outro, uma conivência consciente com a prática do Syriza ao leme do governo da Grécia, pelo que podemos esperar da parte do Bloco, com um certo grau de segurança, uma réplica à escala portuguesa daquilo que o seu irmão helénico está a aprontar na Grécia se acaso tiver idêntica oportunidade. Quer pelo primeiro, quer pelo segundo, torna-se claro que a estratégia do silêncio é efetivamente a única alternativa do Bloco para não sair drasticamente melindrado com a questão Syriza.

 

Ainda assim, e voltando ao princípio, voltando à pergunta titular, confesso que não me importaria de viver para assistir à cena. Assistir ao abraço fraterno entre Catarina Martins e Angela Merkel seria sinal, pelo menos, de que teria ocorrido uma pequena mudança no quadro político português e de que os desgraçados do costume que nos desgovernam, aos quais se convencionou apelidar de partidos do arco da governação, estariam, ainda que momentaneamente, arredados da dita, quer dizer, do poder e isso já seria enormemente relevante.

publicado às 21:34

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