Robin Hood e a esquerda
O que seria se Robin Hood, em vez de atacar o xerife de Nottingham e o príncipe João, usurpador do poder real do rei Ricardo, longe a combater nas cruzadas, se virasse para o povo faminto e dissesse assim: “é melhor não atacarmos o xerife e o príncipe João... vai dar muitos problemas. Melhor será se, entre nós, redistribuirmos o que temos.” Claro que o povo retorquiria de imediato: “Mas Robin, o que vamos ganhar ao redistribuir o nada que temos? Não há pão entre nós para redistribuir! Dividir zero dá sempre zero!”
A esquerda que se fortaleceu no final do século passado, aquela saída da queda do muro, e que, em boa verdade, mais não é do que social democracia bafienta, interpreta exatamente esta versão hipotética de Robin Hood: é especialista em criar legislação e finança para redistribuir o pouco que cai em sorte à classe trabalhadora sem nunca beliscar o capital que vai sendo crescentemente acumulado pela burguesia.
É engraçado vermos hoje, em Portugal, face aos aumentos absurdos dos créditos, um governo, com beneplácito geral de toda a oposição, propor medidas que nos põem a todos nós, trabalhadores, independentemente de termos créditos ou não, a suportar parte desses encargos. Nem uma ação contra a voracidade sempre crescente do setor bancário. Pelo contrário, é colocar todos os contribuintes a suportar esses vis apetites, com o perigo real de se colocarem trabalhadores contra trabalhadores, algo que a extrema direita consegue sempre cavalgar e capitalizar.
A esquerda não percebe que, se Robin Hood tivesse assim agido na sua ficcional existência, a sua história teria tido uma longevidade bastante curta. Ninguém gosta de um herói cobarde. E ninguém gosta de uma esquerda que fala muito, mas que no momento oportuno capitula ante qualquer medida social democrata com vista à manutenção das estruturas do poder, isto é, o proletariado cada vez mais pobre, ainda que disso não tenha consciência, e a burguesia cada vez mais anafada.