Revelações de ano novo
Não há ano novo que não venha acompanhado do já tradicional rol de aumentos de impostos e de preços. Este ano chamou-me a atenção o aumento daquela taxa que o povo paga todos os meses na sua fatura da água, que diz respeito à recolha e tratamento de resíduos sólidos, o que realmente constitui coisa admirável. As últimas décadas assistiram à privatização generalizada destes serviços de recolha de lixo pelas cidades do país, venderam-nos que a gestão privada é que era, potes de ouro no final do arco-íris, duendes e tudo o mais, mas afinal, gestão privada assim, também eu: é pedir ao papá estado para aumentar os impostos sobre o povo sem que este possa sequer estrebuchar e, então, é que é gerar lucros que é uma maravilha. Três vivas ao capitalismo!
Também fiquei a matutar com uma frasezinha dita pela jornalista, que muitos dos aumentos dos preços — o do pão, por exemplo — seriam devido ao aumento do salário mínimo nacional, visto os padeiros ganharem todos o salário mínimo, imagino que sim. Esta justificação tem muito que se lhe diga, não haja dúvida, mas, assim, sem que lhe acrescentemos o que quer que seja, é suficiente para servir de peneira para separar as esquerdas que se apresentam no plano político. Sabem? Aquela que até se gosta de chamar de social-democrata, daqueloutra que é esquerda a sério, revolucionária, que não quer deixar pedra sobre pedra. É que é mesmo assim: aumenta-se o salário mínimo, anuncia-se o mundo ao povo trabalhador miserável e, no mesmo suspiro, as empresas aumentam os preços de tal modo que ficamos sem saber bem se o que sobra nos bolsos do proletário é mais, é igual ou é menos do que antes dos aumentos respetivos.
É por isso que não bastam medidas pontuais, ainda que importantes nem que seja simplesmente para dinamizar de algum modo mais ou menos psicológico a economia por via do consumo. É preciso fazer a outra parte que apenas a esquerda revolucionária (onde é que ela anda?) está disposta a fazer: controlar a economia, controlar a especulação dos lucros, definir metas e tetos, impor responsabilidade social, essa mesma responsabilidade que é exigida a todos os cidadãos, que vem até plasmada na malograda conta da água em taxas para que os resíduos sejam bem tratados. A todos os cidadãos exceto, bem entendido, aos daquela classe que possui as rédeas do poder há tempo demais e a quem se permite que explore os recursos à medida do seu apetite pelos lucros. Um apetite que, a cada ano que passa, é maior, mais voraz e mais descontrolado.