Regresso aos tempos da ditadura
A ditadura está a chegar em galope veloz à sociedade em que vivemos e hoje, à hora em que escrevo, manifesta-se densamente no meio de nós, naquilo que fazemos, na forma como pensamos.
É errado identificar a ditadura com um ditador. O ditador é apenas um fantoche de um poder sem rosto. A ditadura deve ser identificada com um estado de espírito geral, um estado de espírito que é inveja e falta de solidariedade. É esse estado de espírito, e não outra coisa qualquer, que permite que as políticas repressivas e exploradoras do Homem se possam manifestar. E como se têm manifestado!
A ditadura vê-se numa comunicação social monocórdica e hipnotizante, não plural, “fazedora de opinião”, da sua opinião, da opinião do dono.
A ditadura vê-se numa tentativa de esvaziamento argumentativo da política, onde se força a ideia da inexistência de diferentes posições, de diferentes lados da mesma questão, ao mesmo tempo que se diabolizam os poucos que os têm, excluindo-os do debate. Tudo é feito porque sim. Tudo é inevitável. Só existe um caminho e esse é o caminho bom.
A ditadura vê-se na falta de solidariedade e na inveja do cidadão em geral para com o seu semelhante. Não existe, com efeito, uma ideia de semelhança entre cidadãos semelhantes, pois o forte espírito de competição que os assola torna-se como uma pala negra disposta sobre a fronte. Não existe, portanto, uma visão de conjunto que se traduza, no fundo, em ver nos problemas dos outros os nossos próprios problemas. É a ideia de que os nossos problemas são sempre mais especiais do que os dos outros ou, por outra, de que nós merecemos melhor mas os outros não.
A ditadura vê-se em tudo isto e vê-se em muito mais. Vê-se numa aceitação acéfala de uma hegemonia da economia sobre tudo o resto, sem se saber o que é propriamente isso de economia. Uma aceitação do que o patrão, o padre ou o comentador, diz sem um qualquer questionamento. A ditadura é uma subordinação total a poderes externos por uma simples questão de fé.
A ditadura vê-se numa existência simples e medíocre, numa existência de manutenção de poderes. Trabalhamos porque a isso somos obrigados, porque é necessário produzir e fabricar lucros que nunca vemos, porque é necessário encher os bolsos de alguém. E devemos trabalhar cada vez mais, mais tempo e por menos dinheiro. Sem parar. E todas as estruturas da sociedade concorrem para esta manutenção de poderes: o fisco, a polícia, a lei...
O cidadão médio passa toda a sua vida sem se questionar sobre a sua condição. Acha-a natural. É promotor ativo da mesma. E os seus filhos e os filhos dos seus filhos continuam a rotina, esta rotina de não pensar. Eternamente.
A ditadura vê-se até mesmo nos velhos símbolos que retornam: no fado, no futebol. Em fátima.
A ditadura está a chegar em galope veloz. Vem a cavalo de uma égua branca chamada de democracia. Quando chegar, ninguém dará por ela.