Rebanho
A discussão em torno do orçamento de estado de 2016 tem gerado uma fúria popular bem audível para quem quer que se movimente por entre as povoações do país. Essa fúria é motivada essencialmente por uma deceção visceral a propósito da inverosímil e inacreditável união parlamentar das esquerdas e que encontrou bode expiatório na reposição de salários e horários de trabalho na função pública.
É importante assinalar que esta ira provem do mesmo lugar de onde medraram quer a complacência quer a aceitação quando estes mesmos salários foram cortados e quando os respetivos horários foram incrementados. É decisivo contemplar este facto para podermos afirmar com propriedade científica que o povo português não é mais do que um rebanho de invejosos que procura no mal alheio o seu próprio bem.
Com isto não desprezo toda a crítica ao orçamento e até mesmo a um certo entendimento legítimo de tratamento desigual na sociedade. Não obstante, importa relevar este sentimento popular endémico, porque o Homem evoluído, o Homem do futuro, terá que forçosamente nutrir entendimentos diametralmente opostos, no sentido de poder vir a adotar comportamentos distintos na construção de uma sociedade que seja mais justa em substância.
O português médio revolta-se com o colega de trabalho, ao mesmo tempo que bajula e endeusa o seu patrão. O português médio não faz uma greve nem mexe uma palha para melhorar a sua condição, mas, simultaneamente, corre para a janela do seu apartamento para apelidar de preguiçoso quem o faz e se manifesta na rua. O português médio revolta-se atrás das cortinas contra o carro novo do vizinho e rebola de felicidade se este aparece à noite com o seu carro espatifado. O português médio não ambiciona alcançar um nível superior: antes ambiciona o rebaixamento do seu vizinho para o seu próprio nível.