Quo vadis, PCP?
Explica-me isto da eutanásia, PCP, explica-me. Explica-me a tua posição. Estás contra, eu sei, só não percebo bem porquê. É porque se deve valorizar a vida? É porque nos devemos apoiar na evolução científica para prolongar a vida e não encurtá-la? É porque a sociedade deve dotar o ser humano de condições para que este possa ter qualidade de vida? Isso está muito bem, está muito correto, sim, senhor. Mas diz-me, PCP, de que vale isso a quem está hoje em agonia e não consegue morrer porque o estado não deixa? De que vale? Achas, portanto, PCP, que o estado deve ter o direito de impedir alguém de se matar só porque... pode?
E já pensaste no aborto, PCP? Sim, na interrupção voluntária da gravidez que tão fervorosamente defendeste no passado? É que muito deste teu argumentário se poderia aplicar, quase que por decalque, à questão do aborto. Porque também devemos valorizar a vida, pelo menos a potencialidade dela existir. Porque também todas as mães deviam ter as condições perfeitas, materiais e sociais, para poder ter os seus filhos e, se as tivessem, a esmagadora maioria delas não abortaria. Porque devemos valorizar a vida, prolongá-la e não encurtá-la.
Não entendo, PCP, em que ficamos? Afinal, no que à eutanásia diz respeito, o que tu achas é que deve haver uma lei para os mais fracos e para os mais pobres e outra para os outros. Sim, porque os que têm saúde podem matar-se de uma forma mais ou menos convencional, ninguém os pode impedir e ninguém tem nada com isso, e os ricos podem ir fazê-lo ao estrangeiro onde a eutanásia é permitida: olha aquele australiano que viajou meio mundo até à Suíça para poder morrer há umas semanas. Lembras-te? Costumavas dizer isto mesmo relativamente ao aborto, relativamente à hipocrisia do que se passava no Portugal de então. Longínquos tempos esses.
Mas isto da eutanásia não é o que mais me preocupa, PCP. O que me preocupa é o rumo que tomas. Acaso sabes dos trilhos que calcorreias? Sabes para onde vais, para onde te diriges, o que pretendes? É que eu não sei. Ver-te aliado a CDS e PSD, à mais abjeta direita de onde nada de fecundo ou venturoso jamais brotou, não é animador. Ouvir certas múmias erguerem-se dos seus sarcófagos para invocarem o teu nome abonatoriamente em seu favor é atemorizante também. Será este o teu propósito? Tornares-te no primeiro partido de esquerda conservadora, de mãos dadas com a igreja e com os bons costumes? Será? Pergunto-me...