Quinhentos mil euros
Acho piada à tempestade que se levantou a propósito da possível taxação de imóveis de mais de quinhentos mil euros. Acho piada, simplesmente. É engraçado ver quem nada tem cantando em uníssono com quem tem propriedades de mais de quinhentos mil euros. Repito: mais de quinhentos mil euros. O governo até já veio dizer que não são quinhentos mil, é um milhão! Ou o povo não tem noção dos números, ou não tem noção do valor das propriedades, ou — o que é mais provável — não tem noção da sua condição, “fazendo-se” de rico como é seu gosto e usual timbre.
No mais, observamos o cair das máscaras a tantos e tantos que não contêm a sua indignação, manifestando-a com a mais autêntica boçalidade. Falam em “classe média”, metem agregados ao barulho, extraem esqueletos dos armários como “bolchevismo” ou outros que tais e, no fim de contas, revelam-se. Revelam os seus conceitos, revelam a quem servem e a quem, com a sua ação profissional, protegem. É esclarecedor. Não é surpreendente.
O único disparate no meio disto tudo não está na putativa medida per se, mas na forma como a mesma foi lançada na sociedade. Não pode um governo que seja verdadeiramente digno desse epíteto ver uma sua medida anunciada por antecipação por um qualquer partido com assento parlamentar. Que o Bloco de Esquerda não tem qualquer noção ou sentido da coisa política, não é novidade. O Bloco dá o corpo por qualquer promessa de publicidade. Que o PS e, particularmente, o governo sejam apanhados nesta armadilha é confrangedor para dizer o mínimo.
Com este desenvolvimento, o Bloco assume-se como um membro fantasma deste governo — não há volta a dar à questão. Veremos se estará à altura de assumir as responsabilidades desse posicionamento quando estas se venham a justificar. Por seu turno, o governo fragiliza a sua posição em toda a linha colocando-se ao alcance do enxovalho fácil por parte de toda a direita.