Quando consideramos que os fins justificam os meios
Será que não é simplesmente o facto de desconsiderarmos e rejeitarmos o governo angolano o que nos faz considerar injustas as condenações e penas aplicadas a Luaty Beirão e seus companheiros? Não será esse o derradeiro argumento que nos faz tomar posição?
Imaginemos a situação com diferentes intervenientes. Imaginemos... ainda que por um efémero momento. Será que assumiríamos as mesmas posições? Neste particular, erijo sérias dúvidas.
O que resulta de toda esta situação não é mais do que o diagnóstico cabal a uma certa forma que as sociedades ocidentais adotam para encarar os problemas e que poderia ser descrita à custa do lema “Os fins justificam os meios”.
Porque consideramos válido o fim “Depor o governo angolano”, então consideramos legítimo todo e qualquer meio (ação) empregue nesse sentido. Este modus operandi, esta forma de entender as coisas, não deve ser entendido com a mesma leviandade com que é empregue, porque isso traduz-se numa sociedade sem lógica estrutural, com um conjunto de princípios tão plasticamente moldáveis aos interesses mais convenientes de terceiros que esvaziam rapidamente a nomenclatura.
Podemos discordar do governo angolano e até nutrir simpatia por todos aqueles que lutam, dentro e fora da lei, para depor tal governo. É uma prerrogativa de cada um. Outra coisa, diversa, é desculpabilizar todos os atos perpetrados nesse sentido e não aceitar as suas consequências.
O nosso mapa populacional ajuda a explicar esta febre de entendimento, estes julgamentos céleres, sobre o governo angolano. O que sobra, e é muito, é explicável recorrendo aos muitos interesses económicos em jogo. Sinceramente, gostava de poder olhar para este caso sem que estas duas realidades estivessem tão presentes. Gostava que o governo angolano fosse manifestamente pró-imperialista e que governasse um país pobre, de diferenças sociais crescentes e que não estivesse economicamente cada vez mais pujante. Gostava de poder ver nessas circunstâncias Luaty Beirão a lutar pela liberdade e pela democracia e, sobretudo, gostava de ver a cobertura mediática que Portugal lhe dedicaria.
Estou a lembrar-me, por exemplo, de um país do género da África do Sul, de que ninguém fala, e que, tendo entregue todas as suas riquezas a multinacionais americanas e europeias, atravessa uma crise económica, social, democrática e política sem precedentes. Também podia falar de outros países africanos: em boa verdade, qualquer um que escolhesse faria de Angola um exemplo de civilização e de progresso em toda a linha e, também, de liberdade e de democracia. Mas creio já ter vincado bem o meu ponto, bem como colocado a nu toda a hipocrisia que rodeia o tratamento mediático deste processo.
Acabo como comecei: façamos o exercício de imaginar a situação, segundo os factos de que temos conhecimento, mas com intervenientes diferentes. Se nenhuma modificação for suscitada no nosso entendimento, então prossigamos como antes.