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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

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Pedro e o Lobo

Pedro e o Lobo é o nome de uma célebre história infantil contada, virtualmente, a todas as crianças, com o objetivo de fornecer instrução sobre a mentira, a sua repetição e as suas consequências[1]. Pedro é um pastor que, aborrecido com a sua tarefa, resolve arreliar a população da aldeia com a mentira de que o Lobo está atacar o rebanho. A população acorre ao local apenas para verificar que havia sido enganada, ao mesmo tempo que Pedro se diverte com a situação. A experiência é repetida um certo número de vezes com idêntico desfecho até ao dia em que, por coincidência, o Lobo efetivamente ataca o rebanho e, todavia, a população não acorre em auxílio de Pedro por pensar estar a ser vítima de mais uma partida. Todo o rebanho é perdido.

 

Quando pensamos no assunto, chega a ser surpreendente constatar que, não obstante toda a criança portuguesa ter ouvido contar a história de Pedro e o Lobo em algum momento da sua infância, a população portuguesa adulta se deixe engodar, uma e outra vez, em semelhantes esquemas de embuste.

 

Pedro! Onde está o lobo?

 

Primeiro foi o Afeganistão. Aí, desculpámos os americanos por causa do 11 de Setembro, ainda fresco e dramático na memória. É verdade que depois viemos a saber que o 11 de Setembro havia sido também ele uma fraude, com uma das torres a cair por simpatia sem que nenhum avião tivesse com ela chocado, só porque a outra também havia caído. Os americanos estavam assustados e nós desculpámos o facto de eles terem ido para o Afeganistão bombardear aquilo a torto e a direito. Chacinaram civis em fartura, tendo ficado famosos os bombardeamentos a casamentos e outras cerimónias festivas. Terroristas? Talvez tenham apanhado alguns, por engano e que, com toda a certeza, nada tinham que ver com a América e com os americanos, a não ser o facto de terem sido treinados e armados por eles para combater os soviéticos no final do século XX ou de serem descendentes destes. O suposto chefão dos terroristas, que se dizia com toda a segurança habitar aquelas montanhas afegãs, não foi encontrado.

 

O Afeganistão nem teve tempo de ser digerido e veio o Iraque. Desta vez, ainda com uns resquícios de raiva e orgulho ferido pelo 11 de Setembro, adicionou-se o facto de haver armas de destruição maciça e de se ter descoberto evidências chocantes de que Saddam era um ditador sanguinário com intenção de as usar. O número de vítimas civis cresceu exponencialmente. Ao contrário dos afegãos que habitavam o interior de montanhas e que são de natureza nómada, os persas não tinham muito como fugir na sua milenar planície. Atingiram-se novos recordes no número de escolas e hospitais destruídos. Diziam os americanos, então, que as forças iraquianas juntamente com os terroristas se escondiam nesses locais e, então, era necessário bombardear! No final da guerra, quer dizer, do grosso do bombardeamento, o Iraque tornou-se num país “sem rei nem roque”, sem estabilidade e sem governo representativo das populações. Estabeleceu-se apenas um governo fantoche para fazer as vontades aos americanos no que concerne aos seus objetivos económicos e militares. De notar a não menos relevante destruição de património da humanidade, como antiquíssimos palácios persas, bem como o saque desavergonhado — ao bom estilo do nazismo — de obras de arte de incalculável valor de reputadíssimos museus iraquianos.

 

Depois do Afeganistão e do Iraque, veio a Líbia. Substitua-se Saddam por Kadafi e tudo o que foi dito anteriormente poderá ser aplicado de novo no presente parágrafo. Kadafi era um facínora que perseguia e exterminava o seu próprio povo!, diziam eles. Não vale a pena continuar. A Líbia nunca mais foi país depois da intervenção dos Estados Unidos e dessa vil e pérfida coligação chamada de NATO.

 

A cada intervenção dos Estados Unidos, isto é, a cada mentira de Pedro, o jovem pastor, a comunicação social ocidental, particularmente a portuguesa, fez eco obediente, acéfalo, da narrativa imperialista americana. A cada mentira, a comunicação social europeia e os seus governos acudiram em auxílio e apoio dos Estados Unidos. Após cada mentira ser revelada pelas evidências da realidade, não houve lugar a qualquer retratamento ou pedido de desculpas. Houve primeiro uma procura derradeira por pretextos vazios justificativos da barbárie seguida de conveniente amnésia.

 

No momento em que escrevo, uma nova mentira é-nos vendida pelos mesmos de sempre: agora é a Síria que tem um governo que maltrata o seu próprio povo, mas há um grupo de “rebeldes” apoiado pela América que está a fazer tudo por tudo para colocar um fim à questão. Todavia, o governo Sírio, segundo dizem eles, apoiado pela malvada e não confiável Rússia, não se cansa de bombardear a pobre população, incluindo hospitais e escolas!

 

A comunicação social consegue fazer eco de tudo isto. Não se ouve a si própria, não lê o que publica nos seus jornais. É deprimente. E é deprimente que o próprio povo ouça e leia as mentiras e que acabe por aceitá-las, derrotado pelo cansaço e pela insistência.

 

Nas televisões, sucedem-se os casos de criancinhas ou bebezinhos resgatados de escombros causados pelos bombardeamentos russos e sírios, como se não existissem iguais situações do outro lado. Sucedem-se também os apelos dos rebeldes à Europa e à comunidade internacional, tecendo-se uma aura de vitimização idiota sobre os mesmos. O tratamento dado à questão é totalmente parcial a favor de quem provou ser mentiroso compulsivo.

 

Note-se que os rebeldes mais não são que mercenários pagos e armados pela América para criar o caos na Síria. Atente-se ainda na criação do autoproclamado Estado Islâmico, nascido do caos criado pelos Estados Unidos na região, intervenção após intervenção, e potenciado pela deserção, a dada altura do conflito sírio, de muitos dos mercenários que estavam a soldo da América. Nada disto é dito na comunicação social. Talvez esta seja a melhor das razões para acreditarmos que deve ser a verdade.

 

Ainda bem que a Rússia está a intervir na questão síria. Ainda bem. Pode ser que, assim, a Síria não se torne num Afeganistão, num Iraque ou numa Líbia. Resta apenas perguntar, quantas mais mentiras terá Pedro de repetir, para que a população deixe de acreditar nele?

 

[1] Não confundir esta história com uma outra versão de Pedro e o Lobo, oriunda da Rússia e celebrizada pela versão musical composta por Prokofiev em 1936.

publicado às 08:54

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