Os afetos não são neutros
No próximo dia 9 de julho cumprir-se-ão dois anos e quatro meses da presidência dos afetos de Marcelo Rebelo de Sousa, mas parece não ter sido tempo bastante para o povo entender bem o alcance da coisa. Isto dos afetos, dos beijinhos óbvios e dos abraços fáceis, tem o condão de entreter as massas e traz consigo, dentro de cada abraço, aquela ideia da política apartidária, acima de qualquer disputa e controvérsia, da política da razão e da verdade que toda a gente considera, mas ninguém o admite frontalmente, ser só uma. Que belos animais democráticos que nós somos! A política dos afetos é, bem entendido, a expressão máxima do populismo mais vil, porque é a política do é e não é, quando, de facto, é.
Veja-se bem o que se passa hoje. O Marcelo dos afetos, dos beijos e dos abraços, não tem um minuto da sua agenda sem fim para falar com os professores deste país que estão em greve há um mês. Marcelo, que se diz professor, não demonstra um pingo de preocupação, ou simplesmente empatia, pelos problemas da classe à qual tem sempre tanto orgulho em dizer que pertence.
Mas o mesmo se tem passado em cada greve deste país, dos têxteis, dos transportes, do setor da saúde ou da energia. Marcelo, que se vai desmultiplicando em viagens, em aparições e comentários públicos a tudo o que acontece, por mais despropositado que seja — incluindo os jogos da seleção de futebol —, em selfies parolas, abraços e beijinhos superficiais, nunca, até ao momento, teve um ato de genuína preocupação para com os problemas e angústias dos trabalhadores deste país, dos verdadeiros responsáveis por se diminuir os défices e por se aumentar as exportações ou outros índices económicos.
Por ventura, um mandato inteiro não será suficiente, nem dois, nem três, se acaso existisse a possibilidade, para que o povo compreenda isto: os afetos não são neutros. Têm cor. Assumem posição. E essa posição é a do poder económico burguês. Os beijinhos e os abraços, esses, servem apenas para embalar as massas, condenadas a uma condição de servidão sem fim à vista.