O rescaldo possível
Para mim é sempre difícil, penoso, fazer o rescaldo das eleições em Portugal, sejam elas quais forem. Para um revolucionário que vê neste sistema capitalista as correntes que não nos deixam ser livres, viver em plenitude, perseguir os nossos sonhos de um modo sustentável e racional, todas as vitórias são meramente simbólicas, todos os ganhos são escassos e todas as derrotas demasiado dramáticas porque se constituem como oportunidades perdidas, adiamentos do progresso que a humanidade reclama, mesmo que disso não tenha qualquer consciência.
As passadas eleições não trouxeram nada de novo, muito embora a comunicação social se tenha excitado muito com a maioria absoluta do PS e o grande crescimento da extrema-direita neoliberal e fascista. Não considero estes factos verdadeiramente surpreendentes, de facto. Quando pensamos bem na coisa e no modo como foi preparada, vemos que não há muito de surpreendente nisso: o discurso fortemente bipolarizador, a ameaça da extrema-direita, as sondagens com empates técnicos fictícios e, claro, uma esquerda sem um discurso próprio, sem um discurso afirmativo, sem a capacidade ou a vocação para desmascarar as intenções e as práticas políticas do PS — em boa verdade, depois de seis anos de colagem total à governação socialista, como poderia tê-lo feito? Adicione-se uma liderança verdadeiramente incapaz da parte do PSD, um António Costa a acenar com aumentos e distribuições de verbas da forma mais inadmissivelmente anti-ética, e fez-se a calda perfeita para o resultado eleitoral verificado.
Do lado da direita, também não considero os resultados particularmente brilhantes, ao contrário do que a comunicação social reacionária tem procurado veicular. Juntos, Iniciativa Liberal e Chega obtiveram qualquer coisa como 13% de votos, 8% para o Chega e 5% para a IL. Claro que houve um crescimento, mas em si mesmos, são resultados bastante medíocres: 8% para a terceira força política é dos resultados mais fracos de sempre e considerando o quase desaparecimento do CDS estes resultados são ainda mais irrelevantes. Note-se que, há uns anos, Paulo Portas chegou a obter um resultado equivalente a estes 13% sozinho com o CDS. O que se passou foi, com efeito, uma transfiguração da direita, uma mudança de rostos e de plataformas políticas. É manifestamente injustificado, ainda, falar-se num crescimento da direita: a única coisa que aconteceu foi uma substituição de direitas e transferências praticamente diretas de votos.
O que resultou de mais grave nestas eleições é a perceção clara de um enfraquecimento substancial da esquerda que perde votos para o PS e, até, para o Chega. PCP e Bloco estão reduzidos a meros 10% de votos. É grave a transferência de votos operada, porque significa, mais que uma erosão eleitoral, uma erosão ideológica. Há algo de realmente errado quando uma pessoa que vota Partido Comunista passa a votar PS ou — imagine-se! — Chega. Devia ser sobre isto que estes partidos, PCP e Bloco, deviam ponderar com seriedade. Que eleitorado pretendem? Que eleitorado estiveram a construir com os seus discrusos e as suas práticas? Foi isto que conseguiram com seis anos de geringonça.
O que resulta surpreendente nestas eleições, e também nas demais, é que o povo não nos surpreende. As grandes massas, por muito que deem aso, diariamente, à mais contundente crítica relativamente ao sistema político e seus serviçais, demonstram à saciedade a sua aversão completa por qualquer vislumbre de mudança, um comodismo implacável pela situação presente, uma genuína falta de ambição por um futuro melhor, mais próspero, mais honesto e mais justo. A distribuição dos votos é, essencialmente, sempre a mesma. As escolhas são sempre, essencialmente, as mesmas. Como que se isto fosse o melhor que estamos autorizados a ambicionar. Como se isto fosse a meta que queríamos atingir, o paraíso na Terra tal como nos foi prometido. No final das contas, contados e recontados todos os votos, é essa sensação de resignação que fica e que me deixa sempre muito desanimado.