O que se esconde entre o sudoku e as palavras cruzadas
Normalmente apanho o Metro de manhã quando vou de carro, não o metropolitano, o jornal. Abro uma frincha na janela, desejo um bom dia ao rapaz que por ali anda ao pé de Serralves e sigo para o trabalho. Dou uma vista de olhos aos títulos e vou direto à página do sudoku. Ouvi dizer que é importante fazermos isso e as palavras cruzadas para exercitar a mente e não a dar à preguiça com o avançar da idade. Tenho tempo porque chego sempre muito cedo.
Hoje fiz o sudoku, no parque de estacionamento, em menos de dez minutos mas também não era muito difícil, devo admiti-lo em abono da verdade. Estava na segunda volta das horizontais das palavras cruzadas quando me deparo com o correio do leitor, ali mesmo ao lado na página dobrada do jornal. Não tinha dado por aquilo. Este jornal tem um espaço assim: um pequeno retângulo onde uma breve mensagem, alegadamente enviada por um leitor, é publicada.
O que é interessante é que o teor da mensagem é sempre o mesmo, a ideologia é sempre igual, seja qual for a alma que se dá ao trabalho de enviar a sua opinião para esse importante veículo de informação que é o Metro. Seja o António de Ermesinde, a Maria da Póvoa ou o Aníbal de Gaia. Quem os lê fica com a certeza da existência de um pensamento único vivo no seio mais profundo da população. Na verdade, é como se existisse um objetivo subliminar e uma lógica subjacente que se sobrepõe à aleatoriedade que qualquer um espera quando se depara com tal espaço opinativo.
O Metro não constitui caso único. Pelo contrário, se estivermos atentos, parece ser prática comum generalizada nos jornais a escolha a preceito dos artigos de opinião do público anónimo a serem publicados. Muitos dirão que se trata apenas do legítimo direito do jornal em definir os seus critérios editoriais. Para mim, esta situação coloca assertivamente a nu a natureza não democrática da generalidade dos meios de comunicação.
Já sabíamos que os jornalistas são escolhidos para desenvolverem o seu trabalho com um determinado “estilo”, chamemos-lhe assim, e também já sabíamos que os critérios editoriais reservam-se o direito de censurar a notícia a seu bel-prazer. Agora, ficamos também a saber que mesmo as cartas dos leitores são selecionadas segundo tal critério. Isto quer dizer que os jornais vão até às últimas consequências do seu próprio poder para manipular a opinião veiculada nas suas páginas não admitindo outra que não a que entendem por correta.
Por isso, dá-me vontade de rir quando ouço frases do tipo: “o jornalismo livre é a base de qualquer democracia”. É que é tanto disparate junto...