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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

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O que o povo quer

O resultado das eleições gregas do último fim-de-semana conduz-nos a uma reflexão aguda no domínio da antropologia. Como compreender tal resultado?

 

Objetivamente o povo grego decidiu renovar a confiança depositada no Syriza depois de este partido ter feito o que fez neste período último de governação. O Syriza chegou ao governo através de um discurso agressivo anti-austeridade e, passado um prelúdio de oposição verbal veemente junto das mais altas instâncias europeias, sucumbiu dramaticamente a essas mesmas políticas de austeridade. Fê-lo, sem um plano B autónomo, sem uma ideia própria para a Grécia. O Syriza, conclui-se do exposto, abraçou a governação da Grécia com o propósito tresloucado de modificar os resultados do sistema a seu favor sem o transformar, sem beliscar os seus alicerces. Tudo isto é factual e objetivo e, ainda assim, o povo grego renovou a confiança no Syriza. O povo grego, que acreditávamos ter votado no Syriza com base no que o Syriza prometeu, não se sentiu traído, não se sentiu enganado.

 

Por ventura, nós é que estamos todos enganados quando achamos que o povo vota ao engano, que se engana com o discurso político, com a dialética argumentativa. Sim, nós é que estamos totalmente equivocados quando acreditamos que o povo é ignorante e incapaz de ver para além das entrelinhas das promessas.

 

Analisemos, portanto.

 

O povo grego não votou (felizmente, diga-se) nos partidos gregos com tradição de poder, ou seja, não votou nos responsáveis pela situação do país e naqueles que por ventura seriam os mais hábeis e preparados para seguir à risca a moratória europeia da austeridade.

 

Do mesmo modo, o povo grego não votou nos partidos que assumiam a alternativa, isto é, o tratamento duro mas inevitável para a doença económica: a saída do Euro e, ultimamente, da União Europeia. Sejamos, portanto, claros: o povo grego não preferiu nenhuma das alternativas claras que se perfilavam diante de si. Rejeitou um regresso ao passado assumido, ou seja, uma manutenção da Grécia numa eterna política de subalternidade e de austeridade e disse que não, também, à procura de uma solução, naturalmente drástica mas eficaz, para o seu problema económico. O povo grego decidiu-se, então, por uma via diferente. Optou por um governo que mantivesse a Grécia numa situação de protetorado, de submissão, mas com capacidade oratória para reivindicar, negociar, fazer espetáculo, ainda que desse processo pouco possa resultar de substantivo, porque fazer as duas coisas em simultâneo é como que tentar cantar e assobiar ao mesmo tempo.

 

Vejo esta decisão do povo grego com tristeza. Esta decisão puxa-os do Olimpo para a Terra, liberta-os daquela aura divina que parecia existir nos primeiros tempos de Syriza: o povo grego lutava contra a Europa, lutava sozinho e a Europa toda junta tremia. Agora o povo grego parece-se com os outros povos e com o português também. Afinal não lutam pelo que consideram certo ou justo, mas pelo quinhão mais fácil, pela migalha mais rápida e indolor. E, neste momento, o mais fácil, rápido e indolor é a austeridade. E nem como Homens a irão engolir. Não: têm lá uns tipos no governo que vão chorar o tempo todo, a cada pontapé no traseiro. Vão chorar e não vão fazer nada sobre isso.

publicado às 16:13

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