O guião que já se conhece de cor
A ministra da Presidência veio dar uma entrevista com o primordial propósito, todavia em jeito de mensagem subliminar, de começar a tornar públicas e declaradas as intenções do governo em vender o Novo Banco por um baixo valor.
Note-se que a escolha desta figura secundária do executivo para efetuar tal declaração não é de todo inocente. Este governo, aliás, usa e abusa desta estratégia: vai preparando a opinião pública para o que pretende fazer, com declarações um pouco inesperadas, um pouco a despropósito, feitas por personagens suficientemente secundárias para se poder descolar delas se assim o entender, ao mesmo tempo que ausculta atentamente as reações resultantes.
Este governo é como aquele menino que prefere entrar aos bocadinhos na água fria do mar, em vez de entrar de mergulho. Primeiro um pezinho, depois um joelho, um saltinho, um passo atrás e tenta novamente. Não vou dizer que o resultado é exatamente o mesmo, antes pelo contrário. Mais que uma questão de estilo, é uma questão de estratégia.
Em boa verdade, as declarações de Maria Manuel Leitão Marques, de seu nome — o nome lembra-me a outra Maria, a Luís, mas é apenas casualidade —, são de todo em todo redundantes. O guião deste filme está escrito desde o princípio, todos o sabemos. Já vimos a cena repetida por tantas vezes que apenas um imbecil esperará um desfecho diferente: o banco vai à falência, o estado injeta dinheiro no banco e paga as dívidas assumindo o seu controlo, o estado põe à venda, o estado entrega de graça (a troco de simbólico valor) de volta ao controlo privado. O que o estado pagou, pago está, perdido está e o seu papel na sociedade cumprido em plenitude: salvou a burguesia aflita. Sejamos claros: o estado apenas serve para acudir a burguesia e salvaguardar os seus interesses.
Também aqui, vemos claramente o quão semelhante é este governo relativamente ao governo anterior, o quão empenhado está no seu papel servil relativamente aos senhores deste país, a burguesia que domina sobre o povo. Partido Comunista e Bloco de Esquerda: é um jogo perigoso este que jogam. Não consigo vislumbrar que ganhos para o país esperam dele e espero que estejam à altura do balanço final quando ele estiver aí para ser feito. Por ora, a imagem que estão a construir é a de coniventes menores com este estado de coisas.