O artista e a sociedade
A era moderna trouxe na algibeira uma explosão cultural. Essa explosão teve uma forte carga revolucionária: nunca se escreveu tanto, nunca se produziu tanta música, nunca se fizeram tantos filmes, nunca como agora. Contudo, existe uma parte, com precisamente igual peso, que é puro fogo de artifício: fogo para iluminar a vista e distrair o olhar.
No sentido de contrariar o potencial transformador desta realidade os órgãos de poder que presidem aos destinos do Homem encontraram uma forma simples e genial: a propaganda e a mediatização de preferências. Estes instrumentos permitem orientar os “gostos” das massas de forma tão eficaz como se de um pastor e seu rebanho se tratasse.
Este processo conduziu a uma mutação da forma como se encara hoje o artista. O artista do vigésimo século, aquele que havia chamado a si o papel reflexivo e transformador da realidade que então o rodeava, não existe mais. Nos dias que correm a perceção dominante é a de um homem comum, não necessariamente particularmente dotado, que, abençoado pelo acaso, produz uma obra capaz de entreter.
Entreter. O entretenimento é, aqui, a palavra-chave. O artista deve produzir histórias que entretenham, imagens ou sons que regalem os sentidos. Não são bem vistos aqueles que tomam partido por algo que não seja tão trivial como matar a fome ou a sede.
Assim, nos dias de hoje, a obra de arte deve ser algo tão inerte como um gás nobre. Deve-nos entreter com algum assunto pseudo-fraturante, tão tenuemente aprofundado quanto possível, que nos permita a emissão de opinião fácil e, em simultâneo, que assim perdure na memória enquanto cliché mas que, enquanto substância, seja objeto de esquecimento imediato.
No final de contas, a era moderna produzirá menos grandes artistas do que aquela explosão cultural de que falava faria supor, não porque eles não existam, os verdadeiros, aqueles que colocam em causa os axiomas e os paradigmas desta sociedade, mas porque se encontram tão abafados e escondidos, sob quilos de camadas dos outros artistas que hoje se produzem, que a sua descoberta, daqui por duzentos anos, constituirá uma tarefa de acrescida dificuldade.