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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

O acervo da realidade

Fechado mais um orçamento de estado deste governo, resulta transparente a ideia central que tem vindo a ser veiculada neste blog: a esquerda, PCP e BE, troca o seu apoio parlamentar por um punhado de pequenos ganhos centrados, sobretudo, no setor público do estado, funcionários públicos e pensionistas, bem entendido. Código de Trabalho, condições de vida e de trabalho dos trabalhadores não públicos, rendas e benesses aos grandes grupos monopolistas da economia e dos recursos nacionais, são dossiês que, com efeito, não sofrem uma alteração que seja ideológica, e é melhor não nos debruçarmos muito sobre o tema ou arriscamo-nos a descobrir alguma surpresa desagradável da qual não nos tenhamos dado conta, ainda. Sejamos muito claros: a influência da esquerda nesta governação não toca, tão pouco superficialmente, em absolutamente nada que seja estrutural. PCP e BE comportam-se como pedintes de mão estendida, agradecendo ao seu senhor a migalha de pão que este lhes dedica e parecem não ter a consciência do poder substancial que detêm e que lhes permite, qualquer um deles individualmente, fazer o governo cair.

 

Neste ponto, deixo um aviso à navegação. Leiam as palavras que escrevo com atenção para que delas não sejam extraídas conclusões erradas. Quem acompanha este blog sabe bem que eu nunca fui um opositor desta solução governativa e não deixo de lhe reconhecer méritos importantes. Entre outros, foi importante para travar o ímpeto legislativo neo-liberal que avassalava o país e para mostrar à sociedade que, quer PCP, quer BE, se podiam assumir ativamente como partidos de solução governativa, quebrando o preconceito político instalado em sentido contrário. Não obstante, a gestão que tem sido feita da “coisa” deixa muito a desejar e é contra isso mesmo que me revolto.

 

Em primeiro e em último lugar, vamos à realidade. Neste mundo completamente dominado pelo virtual, pela contaminação da mentira e pelo culto da propaganda elevados a níveis estratosféricos, nunca antes experimentados pelas sociedades humanas, diga-se, o apuramento do acervo da realidade revela-se um exercício de vital importância, nem que seja tão somente pelo resgatar da nossa própria sanidade mental dos grilhões de tão demente sociedade.

 

Se enveredarmos por este exercício honesto, a verdade é que, em abono deste governo não resta muito mais do que os fantasmas do governo anterior, o receio pelo que poderia ter existido, o medo, em estado puro, do desconhecido. Porque assim é, temos permitido que este governo, tendo parado a aceleração neo-liberal no país, prosseguisse a velocidade constante e firme esse mesmo caminho neo-liberal traçado anteriormente e não ousamos dizer nada, nem apontar qualquer dedo na sua direção, com medo do retorno de alguma imitação mais ou menos grosseira de Passos e de Portas.

 

Como disse anteriormente, nada de substancial ou estrutural foi beliscado no país; impostos de natureza extraordinária foram efetivamente substituídos por impostos de caráter permanente; orçamentos de estado conservadores, recessivos e anti-constitucionais foram substituídos por orçamentos de estado mentirosos alicerçados na cobardia e na baixeza política das cativações orçamentais. Não há ninguém que seja intelectualmente honesto, e que não seja um pensionista ou um funcionário público, que possa defender que o Portugal de hoje é melhor que o de ontem. Não há ninguém que consiga afirmar que a escola pública está melhor, ou que os centros de saúde ou os hospitais funcionam hoje melhor do que ontem. Não há ninguém que possa dizer que no seu trabalho dispõe de melhores condições ou de mais estabilidade, nem que, ao fim do mês, lhe sobre mais dinheiro do que sobrava no passado. É verdade que já não paga sobretaxa de IRS, mas está a pagar o litro da gasolina a quase 1,60 euros, entre outras taxas encapotadas de que nem dá conta, ao mesmo tempo que se vê empurrado para fora da sua cidade por causa do arrendamento turístico.

 

O país está melhor, afirmam os cartazes de propaganda governamental, e é verdade que está, porque há mais emprego e mais dinâmica económica, mais dinheiro a circular. Mas quanto disso é responsabilidade deste governo?

 

Quanto?!

 

Um crescimento suportado por um contexto de crescimento de todos os países da zona euro, dinamizado sobretudo pelo turismo e secundado pelo consumo e endividamento interno crescentes no país, denota que a influência governativa neste ciclo positivo é relativamente diminuta. Sejamos sérios: todos estes sinais já vinham a ser dados com o anterior governo e o mais certo é que, quando o ciclo económico fizer o pino, a nossa cada vez mais frágil economia, tão dependente do exterior — dos credores e dos agiotas, dependente do turismo e completamente terciarizada —, será afundada, uma vez mais, como a pobre embarcação que é, à deriva no imenso oceano da dívida, sem rumo e sem nenhuma ideia do que quer para si própria.

publicado às 19:55

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