Notas sobre os últimos desenvolvimentos na Síria
A comunicação social continua na sua demanda de fabricação de factos sobre a guerra na Síria. Não interessa que já se tenha descoberto dezenas de fotografias manipuladas no Photoshop, normalmente de meninos em estado de choque com a guerra. Não, não interessa. Há sempre um facto novo a imputar sempre ao mesmo lado, ao lado que convém denegrir, que é o lado do governo Sírio.
Desta feita, foi o suposto ataque com armas químicas. De imediato, o rumor foi suportado por uma enxurrada de fotografias e de relatos totalmente parciais e sem qualquer tipo de fiabilidade ou credibilidade. Novamente, se isso não interessou no passado, também não interessa agora que não haja qualquer tipo de credibilidade. As pessoas acreditam-se e pronto.
Desta vez, o facto criado foi suficiente para o governo americano ordenar um ataque sobre uma base aérea da Síria onde supostamente terá sido ordenado o suposto ataque químico. Parece mais uma daquelas histórias idiotas dos mesmos que nos trouxeram o famoso arsenal de armas de destruição maciça do Iraque? É verdade, parece mesmo. Falo em governo americano porque só um analfabeto poderá dizer que isto saiu da cabecinha pensadora de Trump. A própria Killary Clinton já veio a público dizer que este ataque só peca por tardio. Quem pensa que com Clinton seria diferente devia dedicar-se a outra coisa qualquer, como trabalhos manuais, e estar calado. O governo americano tem vida própria e move-se independentemente do débil mental que ocupa a Casa Branca e a questão Síria nada tem a ver com direitos humanos ou com outras razões igualmente inocentes. A questão Síria é uma questão económica estratégica. É uma questão política. É uma questão de defender os interesses da burguesia americana e o seu domínio sobre os recursos na região.
Este ataque americano, todavia, poderá originar repercussões muito graves para o governo dos Estados Unidos. Descontando a Austrália e o Reino Unido — e Israel, eventualmente —, ou seja, dos apêndices imbecis da América, o mundo em geral está a ver com muito maus olhos esta intervenção. É que é mais do que uma evidente agressão a um país soberano, de governo democraticamente eleito — sublinhe-se, porque nunca é demais sublinhar —, que está a lutar praticamente sozinho contra um grupo de radicais islâmicos que aterroriza o mundo. É também uma certa transformação da correlação de poderes no mundo. Rússia e China, juntos, poderão fazer os Estados Unidos começar a pagar pelos crimes que têm vindo a cometer mundo fora. Os Estados Unidos criaram e armaram Bin Laden e a sua Al-qaeda. Agora fizeram o mesmo com o Estado Islâmico. Não é de estranhar que, ao mesmo tempo, no preciso momento em que a América lançava os cinquenta e nove mísseis sobre a base aérea Síria, o Estado Islâmico lançava um ataque sobre posições do exército sírio na estrada Homs-Palmira. O Estado Islâmico é uma criação dos Estados Unidos e cumprem por ora um papel bem definido naquela zona.
Por cá, também não faltam os idiotas úteis do costume, sempre céleres na sua apologia ao politicamente correto, a tomar posição sobre o que lhes é soprado precisamente pelos órgãos de comunicação social fieis ao regime americano. Neste particular, ouvia esta tarde o Bruno Nogueira, um comediante que gosta de tomar posição sempre que diz umas piadas, a dizer uns disparates disfarçados de insultos sobre o Assad a quem atribuía a culpa definitiva sobre os supostos ataques químicos, dos quais, evidentemente, não tem qualquer dúvida sobre a sua ocorrência ou responsabilidade. Este é precisamente o tipo de idiota útil ao sistema capitalista. Fala sem saber, acredita-se em informação enviesada, e emite opinião rápida, sensacionalista, baseada em falsas evidências e numa estrutura de princípios tão pueril quão manipulável. O problema é que este tipo de idiota útil tem a capacidade de formar uma grande falange de pessoas distraídas que se ficam pela espuma do sensacionalismo mediático e se escudam nos seus altos conceitos ocidentalizados de direitos humanos, democracia e liberdade. Não têm contexto, nem cultura, nem história. Opinam sem sabedoria. Não têm paciência para mais. Só querem é jogos de computador, séries e filmes, sexo e sentimentalismo barato, tudo o que seja gratificação instantânea. Mas são muito boa gente, lá isso são.
O partido desta boa gente, lamento dizê-lo, é o Bloco de Esquerda, sempre tão rápido a votar ao lado da direita votos de condenação e outros que tais sobre os supostos ataques químicos do governo Sírio e legitimando os bombardeamentos americanos sobre a Síria. Em termos de política internacional, o Bloco de Esquerda é de uma ignorância que não cessa nunca de me espantar. Quando penso que já estou a contar com tudo o que de lá possa vir, lá aparece algo de novo. É assustador, deveras, se pensarmos que tanto do que é política e estratégia nacional deve ser entendido como parte de um processo global, que nos devemos saber posicionar internacionalmente e que, para o fazermos com inteligência, temos que saber interpretar com sabedoria os caminhos da história política do planeta. O Bloco de Esquerda assume um discurso que é muitas vezes de rutura com o sistema mas, ao mesmo tempo, aceita cegamente tudo o que é dito nos livros de história desse mesmo sistema. De duas uma: ou é um partido de imbecis do ponto de vista intelectual, ou as suas verdadeiras intenções não coincidem com aquilo ao que realmente vêm.