Notas sobre o cargo de Presidente da República
Volvidos os últimos acontecimentos da política portuguesa quebrou-se um mito. O mito rezava que o cargo de Presidente da República tinha parcos poderes e era dotado de uma relevância simbólica. Na verdade, o cargo de Presidente da República é tão poderoso como o de um ditador com a exceção que o primeiro é sufragado de cinco em cinco anos enquanto que o segundo apenas o é inicialmente, por vezes. Com efeito, parece que neste momento da nossa história o Presidente da República tudo pode fazer sendo os limites à sua ação impostos unicamente pelos limites da sua própria imaginação. E sim, se o senhor Presidente assim quiser, poderá gozar de férias até ao terminus do seu mandato e marimbar-se para tudo o resto, Portugal e o seu governo incluídos. Ninguém lhe dirá o que quer que seja. Ninguém lhe chamará à atenção. O Presidente de poderes vestigiais afinal revelou-se um ditador informal em potência de poderes infinitos.
Outro aspeto sobre o qual queria escrever é a fantochada a que se submete o cargo, em particular, e a cena política, em geral, fantochada essa à qual todos nós, em uníssono, nos submetemos. Refiro-me, por exemplo, às audições presidenciais. O Presidente ouve estes e aqueles, consulta aqueles e aqueloutros, e todos nós assistimos de forma acéfala ao processo. E batemos palmas. E dizemos: “está muito bem, o senhor Presidente deve ouvir todas as partes”. Desculpem mas tudo isto é fantochada. O Presidente não tem que ouvir ninguém em privado. Aqueles cuja voz deve ser ouvida reúnem-se abertamente num local chamado de parlamento, reuniões essas que podem ser assistidas via TV se acaso o senhor Presidente não possa estar presente e assistir ao vivo. Essas são as opiniões e as posições que contam do ponto de vista legal. De resto, o que é que os banqueiros e os empresários têm a ver com uma decisão puramente constitucional? Nada. Todavia a fantochada é alimentada ao nível do enjoo e, pelos vistos, assim continuará. A fantochada torna-se assim em tradição.