Eixos dos ataques a Paris
Primeiro eixo: a sociedade capitalista.
Devemos começar pelo princípio e o princípio é o capitalismo enquanto sistema. O princípio está nos valores que são semeados e que frutificarão nas ações do futuro. A nossa sociedade não fomenta a solidariedade nem se sustenta num projeto de desenvolvimento inclusivo. Pelo contrário, tem como lema a competitividade. Uma sociedade em que os fins justificam os meios é geradora de guetos sociais carregados de gente colocada à margem, de gente que serve para o que serve enquanto serve e que, quando deixa de servir, passa a constituir empecilho, como um sorvedouro dos recursos de todos. A sociedade capitalista é, quer queiramos, quer não, um caldeirão onde se cozinha a xenofobia, o racismo e a intolerância em doses industriais.
Há vinte anos, quando visitei a França pela primeira vez, já Paris estava repleta de emigrantes. As ruas, o metro, o comércio, já naquela altura, antes do virar do século, constituíam uma cena impressionante. Hoje, Paris tem toda uma geração de franceses fruto dessa emigração e é sobre isso que devemos refletir, sobre a forma como ali chegaram, a forma como foram inseridos socialmente e a forma como vivem.
O problema não está na emigração. O problema não está a montante, mas sim a jusante. O problema está nos locais de acolhimento. O problema está no facto de cada um dos emigrantes ir ocupar uma vaga na sociedade de acolhimento que é mal paga e não lhe permite sobreviver com dignidade. É aí mesmo, na diferença entre a dignidade de uns e de outros, que os guetos sociais e culturais emergem. É aí mesmo que o problema começa.
Não é alheia ao problema a crise económica que se vive. Não é alheio ao problema o facto dos grupos terroristas encontrarem num universo de pessoas desenraizadas culturalmente e desempregadas, por vezes de longa duração, um terreno fértil para recrutamento. São pessoas sem um propósito e sem uma utilidade na sociedade capitalista em que vivem e que, desconfiam não ser a sua. Parece que há portugueses a aderir a tais grupos. Não é uma questão de religião ou de nacionalidade. É uma questão de emprego. É uma questão de trabalho. É uma questão de propósito. A nossa juventude veio a este mundo e ninguém tem um propósito para ela. Somos coletivamente responsáveis por empurrar os nossos jovens para os mais sinistros propósitos.
Segundo eixo: a política dos exércitos de mercenários.
Chega de filmes de Hollywood. Chega dos Rambo's e dos Rocky's, dos James Bond's, dos MacGyver's e dos outros de que já não me lembro. Hoje podemos ver bem os falsos heróis que eram. A política de criação de exércitos-sombra, armados massivamente, para fomentar o caos nas sociedades inimigas e catalisar uma mudança de regime político foi utilizada vezes demais no médio-oriente, no leste europeu, na América latina e, ainda hoje, continua a ser aplicada em força. Por mais do que uma vez o feitiço virou-se contra o feiticeiro. Não obstante, os media ocidentais continuam deleitados a propagandear oratória oca sobre os conflitos em curso.