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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

E um pouco de bom senso?

Há uns tempos, o presidente da câmara municipal de Lisboa disse algo tão razoável como que os imigrantes devem vir para Portugal com contrato de trabalho e integrar o país de forma regularizada com os seus direitos assegurados. Como resultado, levantou-se uma polémica vinda praticamente de todos os quadrantes e que durou alguns dias. Até o Presidente da República meteu a sua colherada na discussão. Claro que há situações excecionais que devem ser lidadas de forma excecional, mas isto não impede que haja uma regra tão razoável como a que Moedas se atreveu a enunciar. Razoabilidade, bom senso e outros predicados afins parece que não encontram mais um espaço no espaço público português.

Depois a realidade choca de frente. É sempre assim. Uma sociedade empobrecida, sem os mais básicos direitos de facto, porque temos direito à saúde mas os hospitais estão sobrelotados, no centro de saúde só arranjam uma consulta daqui por seis meses e isto se a médica de família ainda lá estiver, as maternidades estão encerradas aos fins de semana, para não falar do completo caos na saúde nos tempos de férias, a educação é a desgraça que se vê, os salários são miseráveis, comidos pela especulação dos grupos monopolistas que nos governam, salários que nem uma casa dão para pagar.

É este o retrato da sociedade aberta e fraterna que gosta de receber os imigrantes para lhes pagar salários ainda mais miseráveis do que aqueles que os de cá recebem, para ocuparem os trabalhos que mais ninguém está disposto a fazer. É esta a sociedade de motinhas a fazer entregas, de táxis informais, o apogeu da exploração dos tempos modernos cujos explorados, mal podem, desandam para os países europeus mais ricos. Acaba por ser isso que nos vale, porque, se assim não fosse, desconfio que a nossa sociedade rebentaria como uma castanha. Se os de cá nem uma casa podem pagar, estes nem um quarto. Ouvi dizer, noutro dia, que alugam camas à hora. É isto. Acontece debaixo dos nossos narizes. É esta a sociedade fraterna e aberta que gosta de receber.

Há qualquer coisa aqui que parece não bater certo. Não podemos defender a imigração sem reservas e, depois, indignarmo-nos com as condições que os imigrantes aqui vêm encontrar. Não podemos colocar os nossos quadros ideológicos à frente de uma realidade que se impõe. A solução para os problemas não é fingir que eles não existem ou, por outro lado, ignorar as regras do contrato social implícito que existe entre a população e o estado. É por isso que também considero inaceitável a pretensão do governo em arrendar os imóveis devolutos contra a vontade dos seus donos, ao mesmo tempo que continua a permitir e a incentivar a especulação imobiliária. Mas isto é bem a marca da esquerda burguesa que temos: incapaz de beliscar sequer os interesses económicos, fiel defensora da estrutura socio-económica capitalista, volta-se para uma atividade legislativa laboriosa que acaba por incidir sempre sobre quem não pode fugir da máquina burocrática e devoradora do estado. Como bónus desta atividade errática, resulta ainda o fortalecimento da extrema direita que cresce, com a simplicidade do seu discurso, ao sabor destas incongruências.

Precisamos de pensamento crítico. Precisamos de proposta, não de novas leis, mas de um novo sistema com outros princípios e outros valores. Precisamos de pensamento revolucionário. Caso contrário, já sabemos o que vai suceder: Passos vai voltar ao poder, vai mandar-nos emigrar ou pegar na enxadinha e tudo o que a esquerda acha que conseguiu nestes anos a apoiar a social democracia vai ser levado com o vento, qual punhado de areia. E, depois, um novo Costa aparecerá. Sempre a mesma sucessão de narrativas que mantém a roda do sistema a girar. E em cada iteração o povo fica mais pobre e com menos direitos.

publicado às 09:51

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